Parte 2

O que dizer dos versos que apresentam Jesus como Marya.

Aqui não analisaremos os cerca de 30 que são reivindicados como sendo, supostamente, versos que dariam base para o requerimento de identificação de Yahweh como sendo Jesus, mas uns poucos, porém suficientes para mostrar o equívoco que é tentar estabelecer uma identidade de Yahweh com Jesus através da palavra Marya na Pehsitta Aramaica.

Um dos versículos comumente usados para defender que Jesus é Yahweh, pela via aramaica, é Fp. 2.11 “E toda a língua confesse que Jesus Cristo é מריא, para glória de Deus Pai.” Mas, ele deveria ser a prova contrária, pois se Deus Pai é Yahweh, por que, então, o confessar Jesus não seria para glória de Marya mas de Deus Pai, já que Marya é o próprio Yahweh? Por que distingui-lo dizendo que a glória seria para Deus Pai e não para Jesus mesmo, já que ele é Marya. Por conseguinte confessar que Jesus é Marya deveria ser para glória de Marya. Qual a razão para tratá-los como dois seres diferentes, se são a mesma “substância” ou o mesmo Marya?

Há versículos que mostram claramente que reconhecer “Marya” como sendo um substituto, pari passu, de Yahweh, descontextualiza a passagem bíblica completamente. Por exemplo, em Jo. 8.11 lemos: “E ela disse: Ninguém, Marya (Senhor). E disse-lhe Jesus: Nem eu também te condeno; vai-te, e não peques mais.” É difícil achar que aquela mulher estivesse, de pronto, identificando Jesus como sendo o próprio Yahweh, já que é isso que pretende aqueles que defendem o uso de Marya para Jesus, até porque o verso segue dizendo: “E disse-lhe Jesus…” Ou seja, a identificação de Jesus não deixa de ser Jesus, e a ele se atribui ali o título “Senhor”, não o nome “Yahweh” ou um substituto estrito do nome Yahweh, por tabela da palavra aramaica “Marya”. Não é natural deduzir ou entender que, ante a pergunta de Jesus se alguém a havia condenado, a mulher houvesse dito: “Ninguém Yahweh!”. Ou seja, é difícil crer que a mulher teria chamado Jesus de Yahweh e João o escritor do Evangelho teria insistido em identificá-lo com o nome Jesus! Entender marya além de seu sentido comum de “Senhor” gera essas estranhezas que só é aceita por quem já tenha abraçado um conceito que abarque isso previamente, pois o texto por si só não permite essa compreensão.

A citação que Jesus faz do Sl. 110.1 em Mt. 22.44 também mostra que vermos em “marya” um substituto estrito do nome Yahweh, não é uma opção segura: “Disse Marya (Yahweh) a l’Mari (Senhor)”. Aqui Jesus é “Mari”, não “Marya”. E é fato curioso que os defensores da ideia de que Jesus é Yahweh Deus pela associação dele com a palavra “marya” costumam citar Mt. 22.43 e o 45, onde aparece Jesus sendo chamado de Marya, mas não citam o verso do meio, Mt. 22.44, justamente onde se mostra Jesus sendo chamado de Mari, mostrando a distinção dele com Yahweh referenciado no Sl. 110.1. Ou seja, ainda que no verso 43 e 45 ele seja chamado de Marya, quando ele é colocado ao lado de quem, pelo contexto do Salmo representa seu Pai, ele é reconhecido como “mari”, não como “marya”. Isto prova que quando aplicado a Jesus, “Marya”, tem o mesmo valor de Mari ou Maran e significa assim como “Kyrios”, “Senhor”, e, não é associado estritamente com caráter de identidade pela forma substitua aramaica do nome “Yahweh”.

Em At. 2.25 há uma citação de interesse para o caso: “Porque dele disse Davi: Sempre via diante de mim o Senhor (l’mari), Porque está à minha direita, para que eu não seja comovido;” essa passagem é citação do Sl. 16.8 “Tenho posto Yahweh (Marya) continuamente diante de mim; por isso que ele está à minha mão direita, nunca vacilarei.” Como se pode perceber na Peshitta NT se usou “Mari” em um trecho do AT onde aparece “Marya” indicando que o sentido de ambos é o mesmo e significa “Senhor”. O que se pode dizer aqui é que na Peshitta NT Yahweh é também reconhecido como “mari”.

Digno de nota também é o texto de Jo. 12.21, na versão Siríaca do Sinai, onde lemos:


(Clique na imagem para ver o texto em https://arquivo.org)

Estes, pois, dirigiram-se a Filipe, que era de Betsaida da Galiléia, e rogaram-lhe, dizendo: Marya, queríamos ver a Jesus.” Aqui Felipe é reconhecido com “Marya”. Certamente a ocorrência mostra que “Marya” não é o equivalente estrito de Yahweh no NT. O que se pode dizer aqui é que na versão do NT síriaco do Sinai Felipe foi reconhecido como Marya. Se Marya é estritamente identificação de Yahweh temos um problema evidente de identificação de Felipe.

Curiosamente tem-se na Peshitta do NT a ocorrência exatamente de “maryah” (não marya) mas sendo aplicada a homens comuns, conforme aparece em At. 16.16 “E aconteceu que, indo nós à oração, nos saiu ao encontro uma jovem, que tinha espírito de adivinhação, a qual, adivinhando, dava grande lucro aos seus senhores.” “Senhores” aqui é “מריה”.

Se “marya” fosse sinônimo de Yahweh, então, não há explicação razoável para At. 2.36 “Saiba, pois, com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Marya e Cristo.”, pois não tem sentido dizemos que Jesus foi constituído por Deus em Yahweh. Se ali entendermos “marya” como o senhorio dado a Cristo o texto é harmônico, mas se por “marya” entendermos que Jesus foi feito Yahweh pelo próprio Deus, o texto fica sem qualquer sentido. Quem ele era antes, para somente depois ser feito “marya” (Yahweh)? Se ele foi feito, então, em que momento não era “Yahweh” (Marya) feito carne”.

O uso de “marya” se entendido como um composto de “mar” mais a forma “Yah” do nome de Deus, destrói o propósito do uso de “marya” pois se a ideia era manter “Yah” oriundo do nome de Deus ainda que em forma abreviada, porque não usar sua forma completa “Yahweh”?

Um outro detalhe bem gritante da falha da reivindicação de “marya” como praticamente o equivalente aramaico de Yahweh e que com esse viés tenha sido aplicado a Jesus, é o fato de nenhum judeu opositor de Cristo, que por sinal eram eram muitos, haver taxado de idólatras ou blasfemos aquelas pessoas que teriam chamado Jesus de Marya (se Marya era o equivalente de Yahweh). É como se o fato houvesse passado completamente desapercebidos de tudo e de todos em Jerusalém, Judeia, Samaria e confins da terra.

Some-se a tudo isso, o fato de nenhum dos renomados especialistas em aramaico apresentarem Marya como uma construção de “Mar” com “Yah”, mas como um intensivo de “mar” que foi posto como substituto do nome do Eterno; semelhantemente ao que os LXX fizeram com “Kyrios”.

As obras ou estudos que apresentam Marya como sendo uma composição de Mar (aramaico) + Yah (hebraico) se origina no meio de quem já acredita nisso.

Veja a parte 1  AQUI