Em defesa do eterno conceito de Deus como um e único

Autor: valdomiro Page 1 of 7

Será que At. 5.3,4 ensina que o Espírito Santo é a terceira pessoa?

At. 5.3 e 4 é invariavelmente o primeiro da lista para se afirmar que Espírito Santo é outra pessoa e ao mesmo tempo Deus, tal qual o Pai. Mas, certamente, é conveniente meditarmos nesse trecho de Atos. Neles lemos: “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade? … Por que formaste este desígnio em teu coração? Não mentiste aos homens, mas a Deus.” Muitos querem ver nessas palavras uma afirmação de identidade plena entre o Espírito Santo e o próprio Deus, como seres distintos em composição de um ser plural. Mas, essa forma de expressão usada no livro de Atos, ou seja, falando de um e apontando outro não é estranha ao seu escritor Lucas, pois ele no evangelho, que leva seu nome, escreveu: “E disse-lhes: Qualquer que receber este menino em meu nome, recebe-me a mim; e qualquer que me receber a mim, recebe o que me enviou…” (Lc. 9.48) ou, ainda, “Quem vos ouve a vós, a mim me ouve; e quem vos rejeita a vós, a mim me rejeita; e quem a mim me rejeita, rejeita aquele que me enviou” (Lc. 10.16). Ora, a mentira de Ananias foi diretamente aos apóstolos, especificamente a Pedro, mas daí surge a expressão “Não mentiste aos homens...”. O interessante é notarmos que era isso que Ananias pensava haver feito; mentido apenas aos homens. Ora, o fato de Ananias haver mentido a homens e depois Pedro dizer que ele, na verdade, mentiu ao Espírito Santo e depois diz-se que ele mentiu a Deus, não faz dos homens (ou não faz de Pedro) o Espírito Santo (já que a mentira tinha sido dita a um homem) como não faz do Espírito Santo um ente distinto e identificado como o próprio Deus. Assim, de modo similar alguém que rejeita as palavras evangélicas ditas por um crente pensa rejeitar ou resistir ao crente quando, na verdade, está rejeitando a Deus. Lembremos que o Espírito Santo era quem movia e move a ação de comunhão na congregação, de modo que as iniciativas dos apóstolos eram ações do Espírito (“Ele vos guiará…” – Jo. 16.13). Tenhamos em mente que o Espírito Santo é o representante de Deus na vida de Jesus, e o representante de Jesus entre seus discípulos após sua ascensão. Mentir aos apóstolos é mentir ao Espírito Santo que representa Jesus e por consequência é mentir a aquele que a pedido de Jesus enviou o seu Espírito (Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome… Jo. 14.26), ou seja, é mentir primeiramente a Deus. Logo, At. 5.3-4 é insuficiente para se chegar a conclusão trinitária, que contextualmente não se sustenta; portanto, não há razão para ver nesses versos de Atos um terceira pessoa da trindade consubstanciada com o Pai.

Não há oração expressa a Jesus no NT

NÃO HÁ ORAÇÃO EXPRESSA A JESUS NO NT.

Apesar de não haver nenhum problema que alguém se dirija a Cristo, considerando que ele está vivo, presente entre os seus, e é mediador entre Deus e os homens; foi o próprio Senhor Jesus que nos ensinou como devemos orar. E seu ensino quando a isso é que nossos rogos em oração sejam dirigidos ao Pai.

Quando falamos de oração, reconhecida como tal, em todas as ocorrências a palavra usada para “orar” é προσευχομαι (proseuchomai) ou uma de suas derivadas. Essa palavra nunca é aplicada pelos discípulos a Jesus, nem em vida, nem após sua ressurreição. É sempre aplicada no relacionamento dos discípulos e apóstolos para com Deus, e, também, de Jesus para com Deus.

Para defender a deidade de Jesus alguns dirão que orações também eram direcionadas a Jesus e pensarão em Jo. 14.14 onde na ARA reza: “Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” (destaquei), onde o “ME” parece sugerir que Jesus nos ensina orar a ele em seu próprio nome para obtenção das coisas, contrastando com Jo. 16.23 ou Mt. 6.9 onde ele nos ensina orar ao Pai. De fato, com a redação proposta pela ARA a conclusão de um ensino de que devemos orar a Jesus parece ser possível. Mas, leitores de outras versões da Bíblia teriam um entendimento diferente. A ACF, por exemplo, reza: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.A famosa KJV (King James Version) traduz: “If ye shall ask any thing in my name, I will do it”. Em ambas está ausente o “me”, e com essa ausência a sugestão de que deveríamos orar a Jesus desaparece e indica que Jesus seria aquele que executaria para nós aquilo que foi pedido ao Pai. A NIV traduziu “O que vocês pedirem em meu nome, eu farei”, sem o “me”. Também, a Bíblia Viva traz: “Sim, peçam qualquer coisa, em Meu nome, e Eu o farei!”. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também traduz o verso sem esse pronome: “Se pedirdes algo em meu nome, eu o farei”. Jesus, nesses textos, é o instrumento para atendimento das orações dirigidas ao Pai.

Essas diferentes traduções impõem questionamentos do porquê da existência delas. Essas diferenças têm a ver com os manuscritos adotados. A ARA usa o TC e a ACF usa o TR. A Bíblia publicada pela CNBB, edição católica, a NVI e a Bíblia Viva, edições protestantes, apesar de usarem o TC como base, seguiu nesse verso o TR. Por que será?

Textos gregos antigos como o P66, que apresenta o “me”, datado do segundo século, pode ser requerido como uma forte testemunha da legitimidade da leitura com o “me”. No entanto, o papiro P66 não é o melhor representante de uma boa cópia. O Dr. Norman Wilbur Pickering1, citando Colwell, informa que Ele localizou e revelou que P66 tem 400 itacismos2 mais 482 leituras singulares3 outras, 40 por cento das quais são sem sentido. P66 edita [i.e, introduz as opiniões do copista], como faz com todo o mais – de forma desleixada’. Em suma, P66 é uma cópia extremamente ruim.(fiz os destaques). Existem outros textos posteriores a P66 que também apresentam o “me”: א, B,W, Δ, Θ, f e etc. Isso, somando ao fato de que os críticos textuais postulam que a leitura mais difícil deve ser a preferida, ou seja, consideram que por ser a menos provável, ou a mais incomum, deve ser a escolhida como verdadeira, mas, por conta da dificuldade da existência de uma leitura como essa, tem feito com que o grau de certeza para o “me” seja classificado como “B”, onde “A” seria de aceitação pacífica. Mas, esse é um detalhe importante, se “A” é verdadeiramente a certeza, “B” não pode ser tomado como certo.

Sem dúvidas cópias que tenham seguido P66 podem ter reproduzido seus erros, inclusive nessa leitura singular onde se teria:Se me pedirdes … em meu nome. Alguém ensinar que devemos pedir a ele, no nome dele mesmo é, de fato, uma sugestão incomum e absolutamente desnecessária; principalmente quando o mesmo nos ensina a orar a seu Pai, em nome dele, em muitas outras ocorrências. Sermos ensinados pelo Filho a orar a Deus em nome de seu Filho, faz sentido, mas ensinados pelo Filho a pedirmos ao Filho em nome do próprio Filho é descabido ao extremo e não usual.

Deve-se destacar, também, que outras cópias gregas igualmente antigas não apresentam o “me”: A, D, K, L, Π, Ψ , Byz, dentre outros. Antigos pensadores cristãos como Cirilo, Vitorino-Romano e Agostinho citaram o texto sem o “me”. A versão copta Sahidic ЄΤЄΤΝϢΑΝΑΙΤЄΙ ΝΟΥϨШΒ ϨΜ ΠΑΡΑΝ ΠΑΙ ϯΝΑΑΑϤ, que data entre o II e III século diz: “Se deve pedir qualquer coisa [peça] em meu nome e eu o farei.”

O famoso gramático de grego F. F. Bruce considera que “No versículo 14 a evidência textual é equilibrada entre manter ou omitir me; mas a lógica e o pensamento aqui favorecem sua omissão, que realmente parece ser exigida pelo sentido claro de 16.23a”.4

Assim, temos textos antigos que atestam as duas variantes, mas somente uma é plenamente contextual com os ensinos de Jesus que nos disse a quem devemos orar, o Pai.

É precário, realmente, sugerirmos que deva ser adotada uma variante, e, cuja aceitação não é unânime, como via apropriada para acreditarmos que Jesus nos ensinou orar a ele em seu próprio nome. Isso não aconteceu.


1 Em Qual o Texto Original do Novo Testamento.

2Itacismo ocorre quando há a substituição de uma vogal ou um ditongo por outro que se pronuncia de forma igual ou muito parecida.

3 Ou seja, encontrada apenas nele.

4 F. F. Bruce em João: Introdução e Comentário, Editora Mundo Cristão, 1ª Edição, 1987, reimpressão de 2014, pág. 258

Jesus ser invocado faz dele Deus?

JESUS SER INVOCADO FAZ DELE DEUS?

A palavra “invocar” tem sido tomada como um termo técnico aplicável apenas à Deidade e, por isso, alguns sugerem que pelo fato de haver uns poucos versos onde a palavra está relacionada com Jesus que ele, necessariamente, seria Deus. Mas, os exemplos do NT não sugerem que Jesus só foi invocado porque seria, ele mesmo, o próprio Altíssimo Deus.

Os que usam essa ideia partem de uma premissa equivocada e erram a conclusão por isso. O próprio texto sugerido de 1 Co. 1.2 tem, para o fim cristoteísta, a palavra “invocar” isolada totalmente do seu contexto, a partir de onde se faz uma sugestão de uma ideia que não está lá. Na verdade, esse mesmo verso, se lido com todas as palavras do texto, nega essa pretensão.

No verso 1 do cap.1, ler-se que Paulo é “apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus”. O verso 2, inicia “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus”. É muitíssimo evidente que, de forma cristalina, o escritor da epístola distingue ambos, e os distingue não na relação de filiação (como talvez poderia requerer algum trinitário: Pai e Filho), mas na relação de identidades; um é Deus e outro é o ungido Jesus. Assim, parece muito forçado sugerir que a realidade expressa da distinção de naturezas, já que somente um é identificado como sendo Deus, possa ser sobreposta por causa do uso da palavra “invocar”. Seria negar o que está dito claramente por uma imposição da vontade trinitária.

Outro exemplo pode ser observado em At. 7.59 onde Estêvão invoca Jesus. Será que isso indica que o Escritor Sagrado entendeu Jesus como Deus por causa dessa “invocação”? Não. Não entendeu. Mais uma vez o contexto desmente a proposta de estabelecer uma identidade de Jesus como sendo o próprio Deus. O verso 55 diz que Estevão viu a Jesus à direita de Deus, portanto, novamente, o próprio relato bíblico não confirma a Jesus como Deus, pelo contrário, faz notável distinção. Lembrando que ali não diz “à direita do Pai” (como se estivesse falando de uma suposta distinção hipostática), mas à direita de Deus (o ser de Deus). Não parece ser de bom alvitre intercambiar ou substituir subconscientemente, ou conscientemente, de forma bem “conveniente”, os vocábulos “Deus” por “Pai” para diminuir o contraste do que está dito. Ali há nítida distinção onde Deus é um e Jesus é outro. É de tal forma que Estevão reconheceu a Jesus no verso 55 como o “Filho do Homem”, logo sem qualquer insinuação de que ele o estivesse reconhecendo textualmente como Deus. Vale insistir, e chamar a atenção, que essas são afirmações que não nos permitem concluir que Jesus foi reconhecido como sendo Deus pelo mártir Estevão. Sugerir que a palavra “invocar” muda isso seria negar o que está afirmado, em termos de identificação distintiva entre Deus e Jesus, para fazer uso de uma ideia subjetiva que não está no texto.

O que percebemos com isso? Percebemos que o trinitarismo (também o unicismo) desprezou a própria lógica e a espiritualidade dos relatos para adotar uma interpretação do que significa “invocar”, que não é confirmada no contexto.

Ora, não há problema algum que Estêvão peça a Jesus, em invocação, que receba seu espírito, considerando que está escrito que Deus subordinou todas as coisas ao Filho (I Co. 15.25-27) e lhe deu todas as coisas (Jo. 13.13). Será que a vida de Estêvão, diante dessas afirmações, não estava sob a regência de Cristo? Será que Jesus precisava forçosamente ser Deus ou, simplesmente, lhe bastava ser o homem designado por Deus ? (At 17:31 “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.”). Em vez de reconhecer o fato de que receber invocação é uma prerrogativa dada a Cristo por Deus, estão querendo fazer de Jesus o próprio Deus, algo que não é nem confirmado, nem afirmado no texto.

Não se faz necessário para o entendimento bíblico criar uma dificuldade e depois artificializar uma solução trinitária. O termo “invocar” não estabelece identidade de ninguém.

Por que o requerimento do termo “invocar”, como um termo técnico para impor deidade a Jesus, põe o trinitarismo fora da realidade bíblica e fora da natureza histórica da Bíblia? Ora, além do fato objetivo da própria distinção que as Escrituras fazem entre Deus e Jesus, como o próprio Estêvão fez antes de entregar o seu espírito a Cristo, bem como Paulo distinguiu Deus e Jesus, no contexto do requerido verso 2 da primeira carta aos Coríntios, há o inapelável fato de que o termo “invocar” aplicado a Jesus em alguns versículos, até mesmo de forma pública (como está escrito “em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo”), não foi motivo de um único judeu sequer, e dentre eles os fariseus (do grupo capaz de olhar as mãos sujas dos discípulos às refeições, Mc. 7.2), das diversas regiões onde eventualmente tenha ocorrido uma invocação a Cristo, apresentar uma óbvia acusação de idolatria. Os discípulos seriam os idólatras e Jesus o objeto de culto. Novamente, nenhuma acusação foi feita aos apóstolos ou aos discípulos nem a igreja de idolatria. E foi de tal forma que a ausência da ideia de uma acusação tão elementar que seria, considerando o suposto reconhecimento público de deidade a Jesus, por causa das invocações, levaram os judeus a pagar pessoas para acusar os discípulos de alguma transgressão: “Então subornaram uns homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus” (At. 6.11). Ora, se “invocar” é reconhecer Jesus como Deus, então, por que precisaram pagar a alguém para levantar falso testemunho de transgressão contra os discípulos?

O verbo ἐπικαλέω não é um verbo determinador de “divindades” como quer que acreditemos a linha trinitária.

Ao invocar a César em At. 25.11, certamente Paulo não usou o verbo epikalô abonando ou achando que César fosse “Deus” ou o reconhecendo como alguma “divindade” (Paulo não era idólatra), apenas desejou ser julgado por César em sua presença. Como a Bíblia ou o Novo Testamento não é um livro de invocações a César, mas a Deus e a Cristo, daí decorre que não é de se esperar a mesma quantidade de ocorrências, ainda que existam, aplicadas a César ou a quaisquer outros.

O meio de identificação dos envolvidos não está na aplicação do epikalô (invocar), mas nos próprios indivíduos.

Em Is. 55.5, o mesmo verbo que está sendo requerido é usado, no hebraico do Antigo Testamento, “תִּקְרָ֔א” [tiq-rā,] (composição do verbo קָרָא [kaw-raw’]) ou no grego koiné (LXX e NT) o “ἐπικαλέσονταί” [epikalésontai] (composição do verbo ἐπικαλέω [epikaléô], com uma conjugação, inclusive, que é encontrada também em Rm. 10.14, TR), quando diz que o povo de Israel invocaria/clamaria a uma nação que não os conhecia, mas que por benevolência de Deus, seriam atendidos. Ou seja, se invocaria/clamaria a um intermediário (uma nação) da benção de Deus. Isso não transformou aquela nação no próprio Deus por ser invocada. No Antigo Testamento, por exemplo, tem-se “invocação” a Ló em Gn. 19.5 “וַיִּקְרְאוּ אֶל־לֹוט”, “invocação” de bimeleque a Abraão “וַיִּקְרָא אֲבִימֶלֶךְ לְאַבְרָהָם” e etc. Assim, como já mostramos, “invocar” não é um termo técnico ou exclusivo da Deidade.

Com relação a Jesus e o momento da invocação, ou seja, se ele estava em carne ou em espírito, como atualmente está, isso não é obstáculo a nada, porque é segundo a vontade de Deus que ele subjuga todas as coisas. Quem vê problema aí é o trinitarismo para criar uma dificuldade que as Escrituras não apresentam. E a solução da dificuldade, por eles mesmos criada, é transformar Jesus no próprio Deus.

Diante do exposto não há razão para considerar a Jesus como Deus porque ele, ou seu nome, pode ser invocado.

Rm. 10.13 – Jesus é Yahweh?

Rm. 10.13Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo” é uma citação da profecia constante em Jo. 2.32. Os trinitarianos costumam assumir que nessa citação Paulo estaria identificando Jesus como sendo o Yahweh do A.T., já que a palavra “Senhor” em Jo. 2.32 se refere ao Tetragrama, e Rm. 10.13 é comumente aceito como se referindo a Jesus.

Vamos analisar se a proposta trinitária tem amparo a partir da perspectiva de Paulo. Vamos ver se ele faz distinção entre um e outro ou se costuma intercambiar Jesus com Deus como se fosse o mesmo ser, ainda que pessoas diferentes (lembremos que “pessoa” e “ser” nem mesmo eram conceitos teológicos na época de Paulo, mas esse anacronismo é sugerido pela linha trinitária). Os versos 3 e 4 mostram Paulo falando que se deve conhecer a justiça de Deus e diz que Cristo veio para justiça de todo aquele que crê. O verso 9 deixa claro que esses dois referentes, “Deus” e “Cristo”, na mente de Paulo são tolamente distintos em termos de identificação pessoal, não somente em individualidade, mas também em naturezas. E não se está falando aqui de distinção pessoal (hipostática) do Pai e do Filho, mas de Deus e do Filho como seres distintos. Esse pequeno detalhe faz toda diferença, pois os trinitarianos costumam alegar que Deus é uma trindade, mas seletivamente restringem a identidade de Deus ao Pai, em vez da trindade, quando os versículos mostram a distinção entre Deus e Jesus. O verso 9 diz: “A saber: Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo”. Parece nítido que para Paulo um é Deus, e o outro é o ressuscitado por Deus. Logo, a natureza de um é imortal (Deus) e a do outro mortal (Senhor Jesus). Essa distinção é marcante na teologia de Paulo uma vez que ele tem a Deus como o imortal e invisível (I Tm. 1.17 “Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus sábio, seja honra e glória para todo o sempre. Amém.”) e a Jesus como o que foi visível (I Co. 15.8 “E por derradeiro de todos me apareceu também a mim, como a um abortivo”) e mortal (At. 17.31 “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos”). Portanto, o Apóstolo conhecia as características distintivas entre Deus e Jesus. Ele considerava que a quem Deus ressuscitou foi o homem Jesus, o mesmo Jesus citado em Rm. 10.9, logo não tinha como ele os entender como sendo o mesmo Deus e por consequência o mesmo Yahweh. Desse modo, estava claro para o Emissário do Senhor que um é criador e o outro é criatura. Diante disso, mesmo Jesus recebendo o título de “Senhor”, nesse verso, é mais que óbvio que “Senhor”, até o momento, não é uma referência ao Deus a quem Paulo reconhece como “O Deus de nossos pais” (At. 13.17; 22.14, 24.14).

Voltemos um pouco e lembremos do questionamento surgido no verso 6 e 7, que implica em: “Quem trará do alto a Cristo?” e “Quem torna a trazer dentre os mortos a Cristo?”. É a partir da exposição de possível dúvida, que envolve o não acreditar na justiça de Deus, que Paulo diz no verso 9, “se… creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” e, aqui, então, cabe outra pergunta: Quem é o agente e quem é o paciente do ato da ressurreição que leva ao que crê obter a salvação? A resposta inapelável é: “Deus trará do alto Cristo” e “Deus torna a trazer dentre os mortos a Cristo”; justamente o “homem designado por Deus” descrito em At. 17.31. Logo, o agente da ressurreição é Deus.

Paulo nos orienta que a “justiça que é pela fé” é aquela que se deve crer como provida por Deus que a executou pela ressurreição de Cristo. No verso 9, portanto, Paulo mantém o conceito que permeia a epístola, como em Rm. 4.24b, 25 “…cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus nosso Senhor; 25 O qual por nossos pecados foi entregue, e ressuscitou para nossa justificação.” É necessário crer em Deus como aquele que ressuscitou a Jesus. O Apóstolo, portanto, não tenta em momento algum descrever Jesus como sendo o Deus do Antigo Testamento.

No verso 10 se assevera: “Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a salvação”. Note que esse verso diz o mesmo de Rm. 4.24b,25: Deve-se crer em Deus que ressuscitou Jesus para nossa justificação/salvação. Assim, a crença de que Paulo fala é primariamente em Deus, visto que sem Deus não haveria a ressurreição de Jesus e não é possível crer no Filho sem que se creia antes no Pai. De modo que o Cristo não é um fim em si mesmo, mas um meio para se chegar a Deus (Hb. 7.20).

O verso 11 traz uma citação provavelmente baseada em Is. 45.17 e ali se tem como referência a Yahweh. A questão aqui é: Paulo está aplicando o texto a Jesus, o identificando pessoalmente como Yahweh? Ora, o verso de Isaías era aplicável à época do profeta a Deus, e não há razão para acreditarmos que tenha havido mudança nos tempos de Paulo, até porque ele sempre faz distinção entre Deus e Jesus, não só no capítulo 10 de Romanos, mas, em todos os seus escritos. O texto diz: “…Todo aquele que nele crer…”, mas “nele” quem? Parece impositivo, pela boa hermenêutica e não uma exegese restritiva, que a resposta é “cremos naquele que dentre os mortos ressuscitou a Jesus” (Rm. 4.24b). Quem ressuscitou a Jesus? O Deus a quem Paulo se dirige em oração em Rm. 10.1 em favor de Israel. Essa percepção explicitada por Paulo, mantêm, sem dificuldades, a percepção de que a citação de Is. 45.17 refletida em Rm. 10.11 é aplicável a Deus também no N.T.

Aceitar a justiça de Deus através de Jesus (tema do capítulo da epístola) é, antes de tudo, crer em Deus como aquele que enviou Jesus: “E Jesus clamou, e disse: Quem crê em mim, crê, não em mim, mas naquele que me enviou” (Jo. 12.44), e nessa mesma linha Jesus diz em Jo. 14.1: “Não se turbe o vosso coração; credes em Deus, crede também em mim”. Vale destacar que, como se percebe, nem mesmo Jesus se identifica como sendo o Deus de Israel, por quê Paulo, que aprendeu dele, o faria em Rm. 10?

O verso 12 fala da ausência de distinção entre judeus e gentios, algo já predito que iria acontecer e que isso seria promovido por Deus também. Is. 65.1 é referenciado em Rm. 10.20 “Fui buscado dos que não perguntavam por mim, fui achado daqueles que não me buscavam; a uma nação que não se chamava do meu nome eu disse: Eis-me aqui. Eis-me aqui”. Rm. 3.29 informa “É porventura Deus somente dos judeus? E não o é também dos gentios? Também dos gentios, certamente”. A pergunta que se faz pertinente aqui é: Como os gentios seriam alcançados por Deus? Como Deus planejou fazer chegar aos povos não judeus a palavra de sua Salvação?

Estamos relembrando esses fatos porque a leitura trinitária de Rm. 10 oblitera a presença de Deus nesse discurso escrito de Paulo, assim concluem que no verso 13, onde Paulo cita Joel 2.32, ele estaria falando de Jesus em termos pessoais, ou seja, entendem que Jesus é o próprio Yahweh, em vez daquele pelo qual as nações seriam alcançadas pelo favor de Yahweh. Por isso, cabe resgatar a presença de Deus nos textos para podemos fazer a leitura correta do verso.

Seria a citação do verso 13 uma referência direta a Jesus? O identificando como sendo o ser Yahweh? Não, não há razões contextuais para excluir a pessoa de Deus, que é citado no contexto do capítulo 10, e passar a considerar que se trata da pessoa de Jesus em uma designação (Yahweh) que é atribuída a Deus em todo o Antigo Testamento.

Diante disso, qual a relação de Jesus com o texto? Como já foi visto nesse capítulo de Romanos, Jesus é o agente passivo da ressurreição realizada por Deus para manifestação da sua graça salvadora aos que crerem. Logo, o verso não tem intenção de gerar identidade, mas relação. Deus fez algo e Cristo é a maior e absoluta expressão dessa realização.

Vale destacar que o próprio Jesus se reconhece como um representante de Deus: “Eu vim em nome de meu Pai, e não me aceitais” (Jo. 5.43). As obras feitas por ele são do Pai: “As obras que eu faço, em nome de meu Pai, essas testificam de mim” (Jo. 10.25). Jesus chega a dizer: “eu saí, e vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas ele me enviou”. Note aqui que ele diz que veio de Deus, não simplesmente do Pai, como subconscientemente entenderia um trinitariano, mas o texto diz: “de Deus”. Ora, se ele fosse o próprio Yahweh pela citação que Rm. 10.13 de Jl. 2.32, certamente teria vindo dele mesmo. Não há como ele, se fosse o próprio Deus, dizer que não veio dele mesmo, visto que inapelavelmente seria o mesmo Deus do onde diz ter vindo. Não há como ele dizer que veio em nome do Pai, que é Yahweh, em cuja autoridade a sua vinda está, e ele mesmo supostamente podendo se identificar também como o próprio Yahweh, dizer que não veio em seu próprio nome: “eu não vim de mim mesmo”, “vim em nome de meu Pai”.(Jo. 7.28 c. Jo. 5.43).

Os escritores do Novo Testamento tinham perfeito conhecimento que Yahweh, enquanto Deus, é o Pai de Jesus, não o próprio Jesus.

Ex. 3.15 “E Deus disse mais a Moisés: Assim dirás aos filhos de Israel: Yahweh Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó, me enviou a vós; este é meu nome eternamente, e este é meu memorial de geração em geração”.

At 3:13 “O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou a seu filho Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes, tendo ele determinado que fosse solto.

Qual é o nome do Deus de Abraão, Isaque e de Jacó descrito em Ex. 3.15 que glorificou a seu filho em At. 3.13? Certamente Yahweh. Então, Yahweh é Deus ou o Filho de Deus segundo a informação positiva das Escrituras?

Veja ainda At 5.30: “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, ao qual vós matastes, suspendendo-o no madeiro.” Dois personagens de identificação distintas são descritos: 1) O Deus de nossos pais, e 2) Jesus, o ressuscitado. O nome do primeiro é Yahweh e o nome do ressuscitado não é Yahweh, mas Jesus. Ora, por que Jesus nunca é descrito como “O Deus de nossos Pais”, se ele também é Yahweh?

Talvez, ignorando o que foi dito até aqui, se requeira Rm. 10.14,15 para dizer que o texto realmente busca identificar Jesus com Yahweh. Mas, a pregação de que fala esses versos é uma pregação exclusivamente a cerca de Jesus, ou seja, ele é o único a ser apresentado na pregação referida? O verso 19 diz: “Eu vos porei em ciúmes com aqueles que não são povo” parece indicar que a pregação chegaria ao alcance de quem não conhecia nem mesmo a Deus logo, consequentemente, também a seu Filho; e Paulo segue citando Is. 65.1. Com isso o apóstolo demonstra que não intencionou excluir Deus, o Pai de Jesus, da referência a pregação. Como dissemos, não há como pregar um Filho sem se falar de um Pai; e não há como se falar de um ressuscitado sem se falar de quem o ressuscitou. Logo, não há como pregar a Jesus como Filho de Deus e Salvador sem que se pregue a Deus e seu plano de Salvação. Assim, é perfeitamente cabível a citação da pregação de Isaías 53.1 em Rm. 10.16: “Senhor (Yahweh), quem creu na nossa pregação?” e o verso de Rm. 10.17 fala em “ouvir a palavra de Deus”. Como se houve a palavra de Deus? Jesus responde: “Eu falo do que vi junto de meu Pai” (Jo. 8.38), também diz: “porque tudo quanto ouvi de meu Pai vos tenho feito conhecer” (Jo. 15.15). Os discípulos e apóstolos foram também os transmissores dessa palavra a gregos e judeus também (At. 13.5 “anunciavam a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus”).

Em decorrência dessa necessária contextualização, nesse ponto, talvez valha a pena trazer à baila como determinados textos proféticos são tratados no Novo Testamente, e se o propósito é sempre estabelecer uma identidade pessoal ou se os textos são tomados como paralelos em decorrência da situação.

Veja, por exemplo, Hb. 1.5: “Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho?” A parte final desse verso é uma citação direta da parte inicial de II Sm. 7.14. Será que uma palavra especificamente dita acerca de Salomão, referenciada profeticamente a Jesus torna Jesus o próprio Salomão?

Veja outro caso, Ez. 34.23: “E suscitarei sobre elas um só pastor, e ele as apascentará; o meu servo Davi é que as apascentará; ele lhes servirá de pastor.” Quem é esse único pastor? A resposta natural, hoje, será afirmar que é Jesus de acordo com Jo. 10.16! Mas, Jesus é Davi literalmente, ou o nome de Jesus é Davi considerando que o nome constante da profecia é Davi? Essa profecia gera uma identidade pessoal entre Jesus e Davi como sendo o mesmo ser?

Em Os. 11.1 encontramos: “Quando Israel era menino, eu o amei; e do Egito chamei a meu filho”. Esse verso que se refere textualmente a Israel no Antigo Testamento, mas é citado referindo-se a Jesus em Mt. 2.15 “E esteve lá, até à morte de Herodes, para que se cumprisse o que foi dito da parte do Senhor pelo profeta, que diz: Do Egito chamei o meu Filho”. Afinal de contas, devemos entender que Jacó (Israel) é Jesus? Será que não é mais apropriado entender que o texto é citado como referência e não como asseverando identidade?

É fácil concluir que existe um sentido a ser considerado que não passa pela identificação pessoal. Caso contrário teríamos que admitir que Jesus é pessoalmente tanto Salomão, quanto Davi e Israel, ao invés de entendermos como uma representação paralela desses personagens bíblicos.

E isso não ocorre apenas com referência a Jesus na Bíblia. Em Ml. 4.5 está dito: “Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível dia do Yahweh”. A ideia corrente à época de Jesus era que Elias viria antes para preparar a chegada da era messiânica. Os discípulos indagaram a Jesus sobre isso em Mt. 17.10: “Por que dizem então os escribas que é mister que Elias venha primeiro? 11 E Jesus, respondendo, disse-lhes: Em verdade Elias virá primeiro, e restaurará todas as coisas;”. Além de não negar Jesus confirma que Elias realmente viria restaurar todas as coisas antes. A pergunta dos discípulos tinha uma razão de ser por que ninguém viu Elias, ninguém identificou Elias, ninguém se autoproclamou Elias. Como, então, teria se cumprido as Escrituras que dizem que Elias viria primeiro, se ele em pessoa não apareceu? Notemos que o texto profético não diz que seria um representante de Elias ou alguém que tivesse as características de Elias. O verso simplesmente estabelece textualmente que seria Elias sem dar maiores explicações, e por isso era Elias que era esperado aparecer.

Jesus esclarece aos discípulos, em outras palavras, que é preciso considerar que o texto de Ml. 4.5 não pretendeu dizer, como os interpretes da época pensavam, que Elias viria pessoalmente e se manifestaria ao mundo como tal. Jesus disse em Mt. 17.12 “Mas digo-vos que Elias já veio, e não o conheceram, mas fizeram-lhe tudo o que quiseram. Assim farão eles também padecer o Filho do homem. Então entenderam os discípulos que lhes falara de João o Batista.” Diante do que Jesus falou, os discípulos entenderam tratar-se de João, o Batista. Ou seja, não houve espanto ao serem informados tratar-se de um representante. Ora, o próprio João Batista quando foi indagado: “És tu Elias? E disse: Não sou.” (Jo. 1.21). Logo, a única explicação cabível e aplicável na situação é que João Batista, apesar de não ser a pessoa de Elias era “o Elias que havia de vir” (Mt. 11.14). Lucas que escreveu seu evangelho depois de apurar os fatos (Lc. 1.1), ou seja, depois dos outros sinóticos, informa que João veio “no espírito e virtude de Elias” (Lc. 1.17), logo, a aplicação ipsis litteris da profecia prescrita em Ml. 4.5 não era a forma correta de entendê-la. Não era a pessoa de Elias que viria, mas um que o representaria.

Esses fatos que envolvem a pessoa de João Batista como conclusivamente um representante de Elias nos ajuda muito a entender textos usados pelos trinitarianos para dizer que Jesus é literalmente Yahweh. Ora, se João, enquanto Elias, veio preparar o caminho de Yahweh faz com que Jesus seja Yawheh?

João Batista é descrito pelos evangelistas como a “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho de Yahweh, endireitai as suas veredas” (Mt. 3.3, cf. Is. 40.3), e Jesus descreve-o como o Elias que “restaurará todas as coisas” (Mt. 17.11). Ou seja, tanto Is. 40.3 quanto Ml. 4.5 descrevem o mesmo evento: Elias viria endireitar as veredas para Yahweh e restaurá todas as coisas. Os trinitarianos não só admitem como defende que João Batista não é e não pode ser pessoalmente Elias, mas sim sua representação. No entanto, não seguem o mesmo paradigma profético no que se refere a Jesus, e, em vez de reconhecer Jesus como aquele que veio em nome de seu Pai, portanto, uma representação de Deus (como João era representação de Elias sem ser Elias) querem dizer que o nome de Jesus é Yahweh também, sugerindo que ele seria o mesmo Deus da profecia. Ora, dado que Jesus nunca se identificou como Deus, assim como João nunca alegou ser Elias, então, será que não seria um tratamento desuniforme e muitíssimo parcial considerar que João não é o mesmo Elias das profecias, mas considerar que Jesus é o mesmo Yahweh no texto profético em comento?

Essa análise de Ml. 4.5 sobre João Batista não ser Elias, apesar da profecia o tratar como tal, nos diz muito sobre as poucas profecias usadas pelos trinitários para tentar identificar Jesus como sendo Yaweh.

Se Rm. 10.13, ou o relato sinótico de que João Batista (Elias), pretendessem asseverar categoricamente que Jesus é Yahweh seria de se estranhar que aqueles todos que a época teria supostamente acreditado nisso, não o tratassem como Yahweh, e o continuaram tratando como o enviado de Deus, o filho do Altíssmo. Esse é mais um típico caso em que a interpretação trinitária fica descolada da realidade bíblica.

Esse é o fato Bíblico. Um trinitariano para compor algo além disso, terá que ignorar esses fatos e colocar a mente para trabalhar em prol da identificação de Jesus como sendo Yahweh, mas escrituristicamente isso não se sustenta.

A nova redação de Jd. v.5

Jd. v. 5. Às vezes, aqueles que defendem a não existência de uma trindade nas Escrituras criticam determinadas formas como certos versículos são apresentados nas versões populares, e, ao fazerem isso, são acusados de somente poderem defender suas posições afirmando que há problemas com as Bíblias atuais. Essa é uma acusação injusta porque não é segredo para estudantes perspicazes e dedicados que há diversos versículos cujas redações diferem de um manuscrito para outro, e com isso passam a existir bíblias com textos diferentes entre si (vide I Jo. 5.7 na ARA e na ARC). Isto é um fato. Também é fato que há manuscritos que trazem textos completamente destoantes de restante das Escrituras. A essa altura talvez se pergunte: e o que Jd. v.5 tem a ver com essa história?

Bem, até recentemente (e ainda consta na grande maioria das Bíblias), esse verso era apresentado com a seguinte redação:Mas quero lembrar-vos, como a quem já uma vez soube isto, que, havendo o Senhor salvo um povo, tirando-o da terra do Egito, destruiu depois os que não creram” (destaquei). A palavra negritada é o ponto de nosso interesse. A identificação de quem tirou o povo do Egito não é segredo e a palavra “Senhor” ai é, sem dúvida, o substituto comum nos textos gregos sobreviventes mais populares para o nome de Deus, Yahweh (ou YHWH). O relato que esse verso de Judas referencia é descrito em Dt. 6.12: “fica atento a ti mesmo! Não te esqueças de Yahweh, que te fez sair da terra do Egito, da casa da escravidão1 (destaquei) e Dt. 20.1: “Quando saíres à peleja contra teus inimigos, e vires cavalos, e carros, e povo maior em número do que tu, deles não terás temor; pois Yahweh teu Deus, que te tirou da terra do Egito, está contigo.Deve-se ter claro em mente que “Yahweh” nesses textos foi vertido por “κύριος” (Senhor) nos manuscritos mais populares da Septuaginta e é a palavra usual para as referências do Antigo Testamento no Novo Testamento grego do nome de Deus. Vale destacar que a palavra “senhor” é usada em referencias a outras pessoas no NT.

Em Jd. 5 utilizam a palavra “Senhor”, além da ACF, também as Bíblias Almeida XXI, JFA1819, ARC 1911, ARC 1969, ARC1967, BAM, BJ, CNBB, DIF, BKJ, NTLH, NVI, Edição Pastoral, Reina Valera em Português, Tradução Brasileira da Bíblia-TB, Bíblia Viva, CBC, TEB, Bíblia Mensagem de Deus da Ed. Loyola, todas as ARA até a 2ª Edição, dentre outras. Os comentaristas da TEB e da BJ, em nota de rodapé, concordam que esse texto seja uma referência ao Pai. O uso da palavra “Senhor” (κύριος) nesse verso de Judas, nessas versões, tem por base o texto grego que pode ser encontrado tanto no Texto Majoritário, como no Textus Receptus e no Texto Crítico, 3ª e 4ª edição.

Mas, há uma leitura peculiar desse versículo só popularizado antes nas bíblias baseadas nos textos em latim. Tanto a Vulgada Editio, versão católica feita por Jerônimo no séc. IV, quanto a sua revisão, da época da contrarreforma católica, chamada Vulgata Clementina, trazem o texto como “…quoniam Iesus populum de terra Aegypti salvans secundo eos qui non crediderunt perdidit”(destaquei), onde o nome Jesus aparece como sendo aquele que salvou o povo da terra do Egito. Seguindo essa linha se tem, em português, as versões católicas produzidas pelos padres Antônio Pereira de Figueiredo (1790) e Manoel de Matos Soares (1942). Assim, esse texto, com o nome “Jesus”, ficou restrito aos círculos católicos, em especial no meio litúrgico. Fora desse ambiente várias Bíblias católicas passaram a fazer uso do texto grego, e essas não apresentavam o nome “Jesus” em suas versões para esse verso.

É fácil perceber que essa proposta de versão ao sugerir que foi Jesus quem tirou o povo da terra do Egito, busca indicar que Jesus também é o Deus, executor das maravilhas ocorridas no Antigo Testamento. Ou seja, não pretende apontar Jesus como executor da vontade de Deus lá no Egito, mas indicar que Jesus seria o próprio Yahweh. Em outras palavras há um forte viés cristoteísta aí, que busca endossar a existência de uma trindade em Deus ou, no mínimo, um explícito modalismo.

Mas, os católicos produzirem e manterem esse texto em seu meio é natural, já que a língua oficial do Vaticano é o latim. Porém, em tempos recentes, começaram a aparecer versões protestantes afirmando o mesmo. E isso certamente decorre do fato do Texto Crítico de Nestle & Aland 28ª Edição (2012) e da 5ª Edição da Deutsche Bibel Gesellschaft (DBG3), publicado em 2014 optarem como texto principal a variante que apresenta a ocorrência do nome “Jesus” nesse texto: “εἰδότας ὑμᾶς ἅπαξ πάντα ὅτι Ἰησοῦς [Jesus] λαὸν ἐκ γῆς Αἰγύπτου σώσας” (destaquei). Duas edições anteriores do TC, já impressas, traziam a palavra “Senhor”: “εἰδότας ἅπαξ πάντα ὅτι κύριος [Senhor] λαὸν ἐκ γῆς Αἰγύπτου σώσας”4 (destaquei) como texto principal.

Nessa nova linha, a recém-lançada Almeida Revista e Atualizada no Brasil 3ª Edição, também conhecida como Nova Almeida Atualizada (NAA), assim apresenta o trecho: “… quero lembrar-lhes que Jesus, tendo libertado um povo, tirando-o do Egito, destruiu, depois, os que não creram.” (destaquei). A popular NET Bible5, em inglês, mesmo antes do texto UBS5 já grafava “Jesus”6 no verso, mas, ainda que defenda essa variante, anota: “A leitura Ιησοῦς (Ihsous, ‘Jesus’) é considerada muito difícil por vários estudiosos, uma vez que envolve a noção de Jesus agindo no início da história da nação de Israel.” De fato, a ideia de Jesus ser aquele que atua onde o A.T. informa ser Yahweh é absolutamente descontextual dentro da Bíblia. Lembremos, sempre, que a proposta dessa nova redação para Judas 5, não é dizer que Jesus faz por ondem de Yahweh, mas que Jesus é Yahweh.

Os textos críticos atuais, ao trazerem essa variante como texto principal, terminaram por colocar o verso em disputa, pois se a palavra correta for “Senhor”, no contexto Bíblico esse Senhor é, indubitavelmente, Yahweh, mas se em vez de “Senhor” a palavra é “Jesus”, então, um ponto da doutrina trinitária ou unicista ganha força, visto que a preferência será identificar Jesus diretamente como sendo o Yahweh do A.T. Hoje, pouca gente, inclusive entre os estudiosos, concordará com essa última proposta para Jd. 5, mas todas as novas atualizações da Bíblia que se basearem no TC, publicadas a partir de 2012, poderão trazer essa variante, gerando uma mudança de paradigma. Isso poderá criar uma impressão para os futuros leitores que Jesus e Yahweh são o mesmo a partir da comparação desse verso de Judas como os fatos ocorridos no Antigos Testamento. E pior, no futuro poderá se dizer: “não ser admissível discordar, já que Judas é explícito ao identificar Jesus como sendo Yahweh”.

Por que devemos preferir “Senhor” a “Jesus” como a palavra original de Jd. v.5? Bem, apesar de se alegar que há bom apoio pela opção “Jesus”, na verdade, tanto esta quanto a palavra “Senhor” têm apoio de poucos testemunhos antigos que sobreviveram. Se para a variante Ἰησοῦς tem-se o codex B (Vaticanus) do séc. IV, para a variante κύριος tem-se o codex א (Sanaítico) que também é do séc. IV.

Todos os demais manuscritos que apoiam um ou outro são posteriores ao séc. IV. A variante Ἰησοῦς tem, ainda, o A (Alexandrinus) do V, o 337 que é do séc. IX; o 81 do séc. XI; 1241 do séc. XII; 1739 do séc. X; 1881 do sec. XIV; 2344 do séc. XI, dentre outros. Entre os chamados pais, no manuscrito 1739 do séc. X há uma anotação que indica que Orígenes (254 d.C) teria atestado o texto, outros “pais” seriam Dídimo (395 d.C) e Cirilo (444 d.C). Talvez esses pais deem uma ligeira vantagem para a variante apenas em termos de testemunho, mas longe de ser decisiva em seu favor.

A variante κύριος conta, também, com o C* do séc. V; 436 do séc. VII, o Ψ do séc. VIII/IX; os byz (bizantinos); o 181 do séc. X; o 104 do séc. XI; 1505 séc. XII, dentre outros. Entre os chamados pais em seu apoio se tem Efraim (373 d.C), Teófilo (412 d.C) e João Damasceno (754 d.C). Então, se pode dizer que ambas têm boas atestações, mas certamente as duas não podem ser verdadeiras.

A variante κύριος é classificada como “D” no Texto Crítico, e em versões anteriores do TC aparece como texto principal. Isso ocorre quando a Comissão considera “muito difícil” decidir qual variante usar. E, atualmente, a variante Ἰησοῦς é classificada “C”, e isso ocorre quando se considera que é apenas “difícil” decidir pelo uso dela. Ora, se uma tem grau de certeza “D” e a outra “C”, por que se preferiu a “D”, antes da NA 28 e USB5, e agora optou-se pela “C”? Será que isso sugere que Ἰησοῦς é uma variante melhor que κύριος? Não! Porque se fosse não haveria alternância baseada na dificuldade dessas variantes na construção do TC e seria a única opção desde a primeira edição. Na verdade, o problema da incerteza de classificação nessa questão tem a ver com um dos postulados científicos adotados para elaboração do Texto Crítico que é “A leitura mais difícil deve ser a preferida” (ou adotada). A leitura mais difícil para Judas v. 5 certamente é Ἰησοῦς. Mas, a Comissão tinha o entendimento, nas versões 3 e 4 da UBS, que era difícil a ponto do impossível”, pois, de fato, não é comum que Jesus seja apontado como aquele que libertou Israel do Egito8 ou atuando diretamente e explicitamente no Antigo Testamento. Assim, Κύριος é, sem dúvida, entre as duas, a leitura mais provável, mas adotá-la fere o critério que sugere que deve ser preferida a leitura mais improvável com texto principal. Por isso escolher κύριος, para a Comissão, é mais difícil (daí decorre a classificação D) que escolher Ἰησοῦς (classificado como C).

Curiosamente a Nova Vulgata, portanto, a versão que é atualmente usada nos atos litúrgicos da Igreja Católica, produzida após o Concílio Vaticano II e homologada como versão oficial da ICAR pelo papa João Paulo II, disponível para leitura no site do Vaticano, e, portanto, sem qualquer pretensão de desfazer a crença dessa igreja de que Jesus é Deus e da existência de uma trindade, rompeu com as versões latinas anteriores e destoando das novas versões gregas recentemente produzidas, verteu assim o texto: “quoniam Dominus semel populum de terra Aegypti salvans, secundo eos, qui non crediderunt, perdidit9. Dominus é a palavra latina para “Senhor”, o que permite entender que foi o Pai o referenciado nesse verso.

Roger Omanson, especialista em crítica textual, comentando esse texto de Jd. 5, reconhece que apesar de Ἰησοῦς ter apoio sólido em determinados manuscritos (mas, o mesmo pode ser dito da variante κύριος, pois há muitos manuscritos que a apoia), alega que Ἰησοῦς é “demasiadamente difícil. É pouco provável que o autor fizesse referência a Jesus num contexto em que escreve a respeito da redenção do povo de Israel do Egito (veja, no entanto, 1Co. 10.4). Além disso, em momento algum o autor desta carta se refere a ‘Jesus’ usando apenas este nome; ele sempre diz ‘Jesus Cristo’. É provável que o nome Ἰησοῦς tenha sido inserido nesse texto por um copista que tenha feito confusão entre duas abreviaturas de nomes, pensando que KC (κύριος) fosse IC (Ἰησοῦς).10

Outra evidência interna em favor de κύριος pode ser trazida à baila. Além de Judas nunca usar o nome de Jesus isolado em sua epístola, ou seja, ele sempre usa nomes compostos para o Filho de Deus como “Jesus Cristo” ou “Senhor Jesus Cristo”, Judas também dá indicativos que tende a usar κύριος (Senhor) quando se depara com referências atribuídas a Deus. Por exemplo, ao citar o Livro de Enoque 1.8-12 nos versos 14 e 15 da epístola (também em ambiente de julgamento como Jd. 5), ele troca o uso de palavra “Deus” por “Senhor”. O mesmo pode ter ocorrido na referência a Yahweh no evento da libertação do povo de Israel do Egito onde Judas escreveu “Senhor”. É uma sugestão com melhor grau de razoabilidade que essa variante, onde aparece “Senhor”, seja a mais provável para o texto.

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1 Bíblia de Jerusalém, 8ª Ed. 2012

2 Sociedade Bíblia Alemã. A 5ª edição é publicada no Brasil pela Sociedade Bíblica do Brasil, e, eventualmente, pode ser mencionada como USB5.

3 A Comissão, apesar de apresentar “κύριος” em todas as outras versões do Texto Grego, considera essa palavra com classificação “D”.

4 https://net.bible.org/#!bible/Jude+1

5 Também a English Standard Version (ESV); New Living Translation (NLT) edição de 2015; Christian Standard Bible , edição de 2017.

Acerca desse manuscrito as notas introdutórias do USB5 diz “O manuscrito 33 ainda é uma testemunha citada de forma consistente, não devido à sua relevância para a reconstrução do texto, mas porque traz leituras especiais interessantes.” (destaquei), pág. xvi. Certamente, uma dessas leituras se encontra em Judas v.5.

7 Referências de atuação de Jesus no Antigo Testamento são figuradas como, por exemplo, Jo. 8.56 quando diz que Abraão viu o dia de Jesus (certamente uma alusão ao cordeiro preso pelos chifres que permitiu a salvação de Isaque); ou I Co. 10.4 onde se diz que a pedra, que verteu água, era Cristo, aqui, sem dúvida, a línguagem não é de uma atuação pessoal de Jesus.

8 http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulgata/documents/nova-vulgata_nt_epist-iudae_lt.html

9 Variantes Textuais do Novo Testamento de Roger L. Omanson – Sociedade Bíblica do Brasil, 2010, págs. 541 e 542

Mc. 13.32, uma pedra no sapato trinitário

O Seminário Batista Maranatha, do estado de Wisconsin – EUA, publicou, em janeiro de 2013, um interessante artigo escrito por Timothy Miller1.

O autor esboçou sua preocupação diante do texto de Mc. 13.32, pois considerando o que está textualmente dito, Jesus é desconhecedor do dia de sua própria volta. Se Jesus não é Deus, está tudo ok! Não há problema algum nessa declaração. Ele não seria onisciente e não teria, realmente, obrigação de saber. Mas, se existe alguma proposta de defender que ele seja o mesmo Deus que o Pai é, então, as coisas se complicam, e muito, diante da afirmação de Mc. 13.32.

Miller admite que muitos pastores evitam fazer comentários, sejam pregações ou exames exegéticos sobre esse texto bíblico dada a clareza embaraçosa de que está dito ali, e apresenta sugestões de soluções colhidas ao longo da história. Ele aborda aquilo que seria considerado “Soluções antibíblicas”, “Soluções de crítica textual”, “Soluções exegéticas”, “Soluções semânticas” e a “Solução das duas Naturezas”.

Soluções antibíblicas

Para ele, reconhecer que Jesus não sabe porque não é Deus, como faz o arianismo, é uma solução antibíblica, ou seja, admitir o que está escrito não é a solução que ele prefere, mas, claro, isso acontece por causa do fundamento de sua fé trinitária.

Uma outra opção que ele considera não bíblica, e concordamos com ele, é conhecida como “não essencialismo”; via pela qual não se veria qualquer problema em Mc. 13.32, porque a onisciência não seria algo essencial a natureza de Deus. Curiosamente, o paradigma para estabelecer a existência do “não essencialismo” é muito semelhante ao usado para se tentar estabelecer a trindade. Para a trindade se usa muito o fundamento: A bíblia diz que Jesus é homem, mas o apresenta, também, com qualidades divinas, por isso ele deve ser Deus e homem. Para o “não essencialismo” o paradigma é: Jesus afirma que é ignorante da data, mas a Bíblia o apresenta com qualidades divinas, logo a onisciência (onipresença e onipotência também) não deve ser essencial à Deidade. É apenas uma conclusão alternativa para o paradigma trinitário. Nesse sentido onisciência seria uma qualidade contingente de Deus, e não algo ligado essencialmente a sua própria natureza.

O próprio Miller identifica o “não essencialismo” como decorrente do que se defende no kenotiscimo. Doutrina surgida no século XIV, que ensina o esvaziamento completo de Jesus; onde ele teria deixado de possuir todos os atributos divinos, mas continuado a ser o mesmo Deus de antes. Porém a própria afirmação bíblica de que Deus não muda, impede que se admita que Deus perca alguma coisa que lhe caracteriza como Deus, o fazendo diferir das criaturas. Isso põe óbice a ideia do “não essencialismo” e, por isso, é rejeitado por trinitários ortodoxos, que não admitem a perda, em Jesus, de qualquer coisa relativa a natureza de Deus, e também rejeitada por não trinitários, mas não por considerem Jesus Deus, mas porque não se pode admitir que Deus possa perder alguma coisa atribuída a sua própria natureza.

Soluções de Crítica Textual”

Ele apresenta as sugestões de crítica textual, começando por Ambrósio, seguido por Jerônimo, que defendia que a expressão “nem o Filho” foi acrescida nos manuscritos, mas não fazia parte do original. Tal afirmação, porém, perde completamente a força pelo fato de que o acréscimo pode ser dito ter existido nos manuscritos de Mateus, mas não no de Marcos, cuja crítica textual tem opinião unânime de sua autenticidade. Miller nos informa que segundo Vincent Taylor, no texto de Marcos somente um códex do séc. IX e um manuscrito da Vulgata omitem a frase. Logo, não se pode defender como ausente do original, ao menos em Mc. 13.32 é autêntico.

Soluções exegéticas”

A busca de soluções exegéticas são apresentadas a partir de Basílio de Cesaréia, um dos padres capadócios, famoso pelas formulações trinitárias ocorridas pelos idos de 379 d.C. Basílio, na carta 236 a Amphilochius, sugere que o texto foi mal interpretado e “εἰ μὴ ὁ πατήρ” deveria significar “se o Pai não sabe”, dando a entender que “se o Pai não sabe”, então, Jesus não saberia, mas como o Pai sabe, Jesus saberia. O problema é que Basílio fica praticamente ilhado nessa exegese e não encontra apoio do próprio contexto e nem das expressões vocabulares do texto paralelo de Mt. 24.36 que exclui claramente os anjos e usa em seguida “εἰ μὴ ὁ πατήρ μου μόνος” (senão meu Pai, somente). Se os anjos não sabem, pelo mesmo princípio o Filho não. Mas, se o Filho sabe, pelo mesmo princípio os anjos saberiam. Mas, se assim fosse a frase “senão o Pai” perderia completamente o sentido.

Por essas razões a tentativa de Basílio de Cesareia não consegue resolver o problema.

Soluções semânticas”

Uma solução que abordou a questão semântica foi tentada por Gregório de Tours (594 d.C) em História dos Francos2. Ele sugeriu que a expressão “nem o Filho” se referia a igreja e não a Jesus, já que a Bíblia nos chama também de filhos de Deus (II Co. 6.18). Ou seja, “filho” ai teria o sentido de qualquer filho de Deus e não do Filho Unigênito de Deus. A tentativa de Gregório de Tours é nitidamente forçada, e, assim como o outro Gregório ele esbarra no texto paralelo de Mateus onde está dito (ὁ πατήρ μου μόνος) “unicamente meu Pai”, ficando também isolado nessa exegese.

Miller informa que Orígenes, em 254 d.C, também tentou resolver a questão semanticamente. Aqui ele não apelou para o termo “filho” como fez Gregório de Tours, mas para o termo “saber”. No entanto, a proposta de Orígenes é anacrônica uma vez que ele tenta transferir a semântica da palavra יָדַע “conhecer” em hebraico, onde se sugere que se sabe das coisas pelo relacionamento pessoal ou pela experiência, para a passagem escrita com vocábulo grego que não tem essa mesma conotação. Miller destaca que tanto Johannes P. Louw quanto Eugene Albert Nida, que são autores de Greek-English Lexicon of the New Testament: Based on Semantic Domains (Léxico Grego-Inglês do Novo Testamento Baseado em Domínios Semânticos), atestam que οἶδα (oida) nunca é usada nesse sentido no Novo Testamento.

Hilário de Poitiers tenta seguir Orígenes, mas sugere que “saber” significa algo como revelação ou ação. Para ele “Sempre que Deus diz não saber, Ele professa a ignorância de fato, mas não está sob a deficiência da ignorância. Não é por causa da fraqueza da ignorância que ele não sabe, mas porque ainda não é o momento de falar ou agir para o plano divino”. Na verdade, Hilário em sua obra “Sobre a Trindade” tenta dar mais de uma explicação para o caso de Mc. 13.32. A questão semântica é uma delas. Outras explicações passam por ideias como “saber, mas disse não saber”, “ignorância por causa da natureza humana” e “é um mistério como Jesus pode saber e não saber ao mesmo tempo”. Hilário sugere que Jesus não sabe o que os outros não podem saber, mas sabe aquilo que o Pai tem conhecimento. Se isso faz algum sentido fica por conta de quem deseja acreditar que Jesus sabia o dia da volta mesmo dizendo que não sabia.

Agostinho (430 d.C) não fica de fora. Ele sugere que Hilário “explicou” a afirmação “obscura” do Senhor Jesus. E sugere que Jesus usou uma figura de linguagem e quando disse que não sabia, apenas estava transmitindo que não havia proveito para os homens saberem. Agostinho mesmo disse: “Ele ignora o que não quer dar a conhecer”. Pelo que se percebe, as dificuldades de Agostinho não se distanciaram das dificuldades de Hilário, e ambos não conseguem convencer ninguém imparcial, com esses argumentos.

Do século V há um salto para o século XIII, quando Tomás de Aquino se apoia em Hilário e Agostinho, e cita Gn. 22.12 no sacrifício de Isaque por Abraão, que não se concretiza, e se ouve a voz que diz: “Agora sei que temes a Deus”, indicando algo que Deus já sabia, mas é como se não soubesse. Aquino tenta transpor isso para a afirmação de Jesus buscando convencer seus leitores que Jesus sabia, mas estava em uma “apresentação” de desconhecedor. Essa ideia foi seguida em 1952 por Lewis Sperry Chafer que fazendo uso de I Co. 2.2 sugere que Paulo sabia de outras coisas, mas disse: “Porque nada me propus saber entre vós, senão a Jesus Cristo, e este crucificado.” como se ele só soubesse de Cristo para os Coríntios. Para ele Cristo poderia ter agido do mesmo jeito em Mc. 13.32, ou seja, com relação aos discípulos Jesus teria proposto a si mesmo não saber o dia da volta, ainda que soubesse. William G.T Shedd (1894) cita Mt. 11.27e faz alusão ao que as “pessoas” da trindade podem ou devem revelar, nesse caso Jesus seria “oficialmente” ignorante para revelar a data, já que caberia ao Pai tal prerrogativa.

Acerca dessas tentativas de Hilário, Agostinho, Tomás de Aquino, Sperry Chafer e Willam Shedd, o próprio Timothy Miller reconhece que “é duvidoso que esta gama semântica esteja presente em Marcos. Dos vinte e um usos de oida em Marcos, nenhuma pode ser interpretada como significando ‘revelar‘” e diz mais “ o fato de que οἶδα não ter essa definição em qualquer lugar no livro de Marcos, parece que dá a palavra aqui esta definição é puramente especulativa e injustificada.”. E, de fato, nenhuma passagem bíblica reivindicada para tentar justificar o que Jesus disse, são paralelos reais.

Solução das duas Naturezas”

A última das tentativas digna de destaque na história do cristianismo decorre do que foi postulado no Concílio Católico de Calcedônia, em 451, ou seja, mais de 400 anos depois de Jesus haver dito o que disse em Mc. 13.32.

A definição de Calcedônia diz: “gerado do Pai antes de todos os séculos segundo a divindade, e nesses últimos dias, para nós e para nossa salvação, nascido da Virgem Maria, mãe de Deus, segundo a humanidade. Um só e mesmo Cristo, Senhor, Filho Único que devemos reconhecer em duas naturezas, sem confusão, sem mudanças, sem divisão, sem separação. A diferença das naturezas não é de modo algum suprimida pela sua união, mas antes as propriedades de cada uma são salvaguardadas e reunidas em uma só pessoa e uma só hipóstase3

O próprio Atanásio antes da definição de Calcedônia já havia tentado um caminho semelhante para justificar o desconhecimento de Jesus do dia de sua volta, pois disse: “Quando Seus discípulos perguntaram sobre o fim, adequadamente, Ele disse, então, ”nem o Filho’, segundo a carne, por causa do corpo; que Ele pode mostrar que, como homem, Ele não sabe; porque a ignorância é próprio do homem.” Dessa forma Atanásio atribui o desconhecimento a Jesus como homem, ou seja, por causa da natureza humana. Gregório de Nazianzeno segue o mesmo tom, mas outros autores defendendo essa saída, segundo informa Miller, só serão conhecidos após Calcedônia.

João Calvino acreditava que a natureza divina de Jesus ficou adormecida, em repouso ou escondida, e por isso Jesus disse não saber o dia da volta.

Miller informa que mais recentemente Charles Hodge, John F. Walvoord, Wayne Grudem, Charles M. Horne e outros, baseiam-se no argumento das duas naturezas com o adendo de que duas naturezas implica duas consciências em Cristo, onde mergulhada em mistério, uma sabia e a outra não, de modo que se Jesus dissesse que sabia, não estaria mentindo apesar da natureza humana não saber, e se dissesse que não sabia, também não estaria mentindo apensar da natureza da deidade saber. Se isso é razoável, só os trinitários devem achar.

Apesar de Miller ficar com a ideia das duas naturezas como uma possível solução, ele mesmo lembra uma questão levantada por ANS Lane, que pode ser traduzida na seguinte reflexão: Se alguém está com um dos bolsos cheios de dinheiro e o outro bolso sem nada, (ao ser perguntado se tem dinheiro) como pode a mesma e única pessoa dizer que está sem um centavo por haver optado colocar a mão no bolso que está vazio, sem estar mentindo?

Miller reconhece isso, mas sugere que devemos abraçar essa contradição e esse paradoxo, alegando que na esfera divina isso deve ser admitido. Certamente isto está longe do que Nosso Senhor Jesus Cristo nos ensinou: “Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna” (Mt. 5.37)

Fica evidente que as tentativas da primeira a última não satisfazem e não solucionam o problema. Muitas delas, inclusive a alegação de duas naturezas com duas consciências, são puras convenções, ou alegações coletivas para algo que simplesmente pode ser resolvido admitindo que Jesus não sabe porque não é Deus.

Mc. 13.32 continua como um estandarte à vista de todos, anunciando que Jesus não é o mesmo Deus que o Pai é.

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1http://www.mbu.edu/seminary/journal/mark-1332-problem-or-paradigm-2

2Título original: History of the Franks

3https://pt.wikipedia.org/wiki/Concílio_de_Calcedónia

Admissões Chocantes (por Joel Hemphill)

Admissições chocantes *

“Enfrentando a verdade sobre
a doutrina da Trindade”

  por Joel Hemphill

[Antes de mais nada eu gostaria de fazer uma observação aos que vão ler o apanhado de Joel Hemphill. Muitos acham que com essas citações nós estamos querendo dizer que tais pessoas não são trinitárias, ou que no restante de seus escritos eles não estejam defendendo o dogma, e contestam nossas citações dizendo: “Mas eles são trinitários”. É verdade que eles são trinitários, e nós aos citá-los, estamos plenamente conscientes dessa realidade e nem se pretende negar isso. Quando listamos essas declarações estamos querendo mostrar que as bases sobre as quais se sustenta o dogma trinitário é muito menor do que alguns presumem, e tais citações servem como uma boa prova do reconhecimento desse fato. (Valdomiro Filho).]

Vez após vez, quando eu estou estudando a doutrina da Trindade, admirado com seus erros, fico espantado com o número de notáveis estudiosos trinitários ​​que admitem em seus escritos que não é uma doutrina claramente ensinada nas Escrituras. Aqui estão algumas dessas admissões chocantes.

Trinitários como Roger Olson e Christopher Hall dizem da doutrina em seu livro, “A Trindade:”

“É compreensível que a importância dada à esta doutrina seja desconcertante para muitos cristãos leigos e estudantes. Em nenhum lugar é clara e inequivocamente declarada nas Escrituras. Como pode ser tão importante, se não é explicitamente indicada nas Escrituras? ” (P. 1). “A doutrina da Trindade desenvolveu-se gradualmente após a conclusão do NT no calor da controvérsia. A doutrina desenvolvida da Trindade foi explicitada no século IV em dois grandes concílios ecumênicos: Nicéia (325 dC) e Constantinopla (381 UM D). ” (P. 1-2)

O trinitário Douglas McCready em sua obra “Ele desceu do céu” afirma:

“Estudiosos do Novo Testamento discordam se o NT diretamente chama Jesus de Deus. Em termos de Judaísmo do primeiro século, seria compreensível se nenhum escritor do NT descrevesse Jesus como Deus por causa da dificuldade que tal linguagem criaria para os primeiros cristãos com um fundo judaico … É importante notar que cada passagem que identifica Jesus como “theos”  pode ser traduzida de outras formas variantes ou ler-se de maneira diferente” (p. 51).  “No judaísmo bíblico o termo ‘Messias’ não necessariamente carrega qualquer conotação de status divino, e os judeus do tempo de Jesus não estavam esperando seu Messias como algo diferente de humano.” (P. 55). “Enquanto alguns têm usado o título (“Filho de Deus”) para designar Jesus como divindade, nem o judaísmo de Jesus, nem o paganismo um dia compreendeu o título desta maneira. Nem a igreja primitiva “(p. 56).

Escrevendo como um trinitário em seu livro best-seller “Doutrina Cristã”, o Prof. Shirley C. Guthrie Jr., faz essas fortes admissões:

“A Bíblia não ensina a doutrina da Trindade. Nem a palavra “trindade” em si, nem o tipo de linguagem como “um-em-três”, “três-em-um”, uma “essência” (ou “substância”), nem três “pessoas” é linguagem bíblica. A linguagem da doutrina é a língua da igreja antiga tirada de filosofia grega clássica “(p. 76-77). “Mas há um problema óbvio aqui (chamando Jesus Senhor e Salvador) . Há um só Deus, o Criador do céu e da terra, o Senhor e Salvador de Israel. Se dizemos que Deus está realmente presente e no trabalho em Jesus [como Deus], como podemos evitar dizer que não há, de facto, dois de Deuses? – um ‘em cima no céu “e um que apareceu aqui embaixo na terra, O NT não resolve este problema” (p 78-79.). “A doutrina da Trindade não é encontrada na Bíblia “ (p. 80).

O trinitário G. W Bromiley é citado em “The Evangelical Dict de Teologia.” livro editado por Walter Elwell, dizendo:

“No Novo Testamento, não há nenhuma declaração explícita da doutrina …” (p.1112)

O respeitado estudioso Trinitário Evangélico Bíblico Prof. Charles C. Ryrie, escrevendo em sua conhecida obra “Teologia Basic” admite:

“O NT não contém nenhuma declaração explícita da doutrina da trindade de Deus (uma vez que “estes três são um” em I João 5: 7 não é, aparentemente, uma parte do texto genuíno das Escrituras ) “(p 60).. “A definição da Trindade não é fácil de construir. Alguns são feitos por afirmar várias proposições. Outros erram do lado da unicidade ou trindade “(p. 61). “Mesmo com toda a discussão e delimitação que tentamos em relação à Trindade, temos de reconhecer que é em última análise um mistério” (p. 61). “Na segunda metade do século IV , três teólogos da província da Capadócia, no leste da Ásia Menor deu forma definitiva para a doutrina da Trindade “(p. 65). “Mas muitas doutrinas são aceitos pelos evangélicos como sendo claramente ensinado nas Escrituras para os quais não existem textos de prova. A doutrina da Trindade fornece o melhor exemplo disso. É justo dizer que a Bíblia não ensina claramente a doutrina da Trindade . Na verdade, não há sequer um texto de prova , por um texto prova queremos dizer um verso ou passagem que ‘claramente’ afirma que há um Deus que existe em três pessoas “(p. 89).

Quanto ao nome para Deus, no A.T, “Elohim”, Ryrie diz:

“Para concluir pluralidade de pessoas a partir do próprio nome é duvidoso  (p. 58).

O trinitário Millard J. Erickson, professor de teologia na pesquisa SW Seminário Teológico Batista (Batista do Sul), em seu livro sobre a Trindade, “Deus em três pessoas,” é compelido pela evidência bíblica a fazer algumas declarações fortes:

“Esta doutrina de muitas maneiras apresenta paradoxos estranhos … É uma doutrina amplamente contestada, o que tem provocado a discussão ao longo de todos os séculos de existência da igreja. Ela é defendida por muitos com grande veemência e vigor. Esses defensores tem certeza do que acreditam da doutrina, e consideram-na fundamental para a fé cristã. No entanto, muitos não tem certeza do exato significado de sua crença. Foi a primeira doutrina tratada sistematicamente pela igreja, mas ainda é uma das doutrinas mais incompreendida e disputada. Além disso, não está claramente ou explicitamente ensinada em toda a Escritura , no entanto, é amplamente considerada como uma doutrina central, indispensável para a fé cristã. A este respeito, ela vai ao contrário do que é praticamente um axioma (a auto verdade evidente) da doutrina bíblica, ou seja, que não há uma correlação direta entre a clareza de uma doutrina bíblica e sua crucialidade à fé e à vida da Igreja “(p. 11-12).

Erickson continua a dizer a causa de alguns se oporem à doutrina da Trindade:

“…. Há aparente silêncio da Bíblia sobre este importante assunto. Esse argumento observa que não há realmente nenhuma declaração explícita da doutrina da Trindade na Bíblia , particularmente desde a revelação pela crítica textual da natureza espúria de I John 5: 7. Outras passagens foram vistos no estudo mais de perto ser aplicável apenas sob a maior tensão. A questão, porém, é esta: Alega-se que a doutrina da Trindade é uma doutrina muito importante, é crucial, e até mesmo base. Se… este é realmente o caso, por que não deveria ser em algum lugar [dita] de forma mais clara, direta e explicitamente na Bíblia? Se esta é a doutrina que constitui especialmente a exclusividade do Cristianismo, como pode ser apenas implícita na revelação bíblica? Em resposta à reclamação que uma série de trechos da Bíblia são ambíguas ou pouco claras, muitas vezes ouvimos uma declaração de algo como, ‘são as questões periféricas que são nebulosos ou em que parece haver materiais bíblicos em conflito. As crenças centrais são revelados de forma clara e inequívoca.’  Este argumento parece-nos falhar com relação à doutrina da Trindade, no entanto. Pois aqui é uma questão aparentemente crucial em que as Escrituras não falam alto ou claramente. resposta direta. Pouco pode ser feito para esta carga. É improvável que qualquer texto da Escritura pode ser mostrado para ensinar a doutrina da Trindade, de forma clara, direta e inequívoca . ” (Como pode Erickson continuar afirmando a crença na doutrina da Trindade, após fazer tais declarações?). Ele vai mais longe , “Há uma consideração final e muito séria a respeito do status bíblico sobre a doutrina da Trindade. Isso diz respeito aos textos que parecem argumentar contra ela.

  1. O primeiro grupo de textos são aqueles que parecem dizer que o Filho era uma criatura. “(Ele cita Provérbios 8: 22-26; Atos 02:36; Romanos 8:29; Colossenses 1:15; e Hebreus 3: 2. Ele deveria ter incluído Apocalipse 03:14, onde Jesus declarou que ele é  “o princípio da criação de Deus”).
  2. “A segunda classificação de passagens é aqueles em que Deus, o Pai é representado como o único Deus verdadeiro, especialmente quando estes são proferidas pelo próprio Jesus(Ele cita João 17: 3; Marcos 10:18; Lucas 18:19).
  3. “Um terceiro grupo de textos inclui aqueles que parecem sugerir que Jesus é inferior ou subordinado ao Pai(Ele cita João 14:28; e Mateus 26:39).
  4. “O último grupo de textos …. é toda a coleção de declarações sobre as limitações sobre o Filho, se envolvendo ignorância, fraqueza, sofrimento ou desenvolvimento “(Ele cita Mateus 24:36; Marcos 09:21; Lucas 02:52 e Hebreus 5: 8). Erickson, em seguida, faz esta declaração reveladora, ” Nem todos esses textos podem ser facilmente eliminados . “

O estudioso católico Graham Greene foi citado na revista Vida alguns anos atrás, dizendo:

“Nossos oponentes às vezes alegam que nenhuma crença deve ser realizada dogmaticamente que não é explicitamente indicado nas Escrituras … mas nas igrejas protestantes têm-se aceitado tais dogmas como a Trindade , para os quais existe nenhuma autoridade tão precisa nos Evangelhos. ” E ele , claro, é certo!

Adam Clarke, um metodista trinitário em seu “Comentário de Adam Clarke sobre a Bíblia” faz esta declaração forte:

“Aqui eu confio, me é permitido dizer, com todo o respeito por aqueles que divergem de mim, que a doutrina da filiação eterna de Cristo na minha opinião é anti-bíblica e altamente perigoso “(p. 854).

O escritor Lee Strobel, em seu livro “The Case For Christ” (“2 milhões de cópias vendidas”), relata uma conversa com o professor trinitário Ben Witherington do Seminário Teológico Asbury, em relação à pessoa de Jesus. Witherington faz esta declaração interessante, “Se ele tivesse simplesmente anunciado:” Oi, gente ‘Eu sou Deus “, que teria sido entendido como” Eu sou o Senhor [Yahweh],” porque os judeus de sua época não tinha nenhum conceito de Trindade, eles só sabiam de Deus Pai – a quem chamavam de Senhor [Yahweh] -. e não o Filho de Deus ou Deus, o Espírito Santo. Então, se alguém dissesse que ele era Deus , não teria feito qualquer sentido para eles e teria sido visto como blasfêmia clara “(133 p.).

O Teólogo James Hastings, um trinitário, em sua famosa obra ” Hastings ‘Dict de A Bíblia” faz afirmação semelhante:

“Temos de evitar todo o tipo de linguagem que sugere que para São Paulo a ascensão de Cristo foi uma deificação. Para um judeu a idéia de que um homem pode vir a ser Deus teria sido uma blasfêmia intolerável “(p. 707).

Hastings diz também:

“Pode ser que St. Paul em algum lugar nomeie Cristo ‘Deus’ “, e os versos parecem inferir a ele (Hastings) que, ” todos devem ser explicados de outra forma. “Hastings chama isso de “um dos mais desconcertantes problemas da teologia NT . “ Ele afirma que “Nenhum cândido exegeta (um especialista em explicar Escrituras) vai negar que vez após vez que a Cristo é de alguma forma dado um lugar inferior [em relação] a Deus. Toda a Sua obra redentora e posição é rastreada diretamente ao Pai. Nós temos tais expressões como “Deus enviou o seu Filho” (Gal. 4: 4), “Aquele que não poupou seu próprio Filho” (Rom. 8:32), “Deus o exaltou soberanamente” (Fp 2: 9.) em que ou o dom de Cristo para o mundo, ou a outorga de glória exaltado no próprio Cristo, é declarado ser um ato de Deus. Tudo é aceito, suportou, alcançada “para a glória de Deus Pai. ” “ Hastings continua, “Ainda mais explícito é I Cor 11: 3” a cabeça da mulher é. o homem, e a cabeça de Cristo é Deus “,  e em I Coríntios 15:28 Cristo é retratado como entregando o Reino a Deus , e como, finalmente, a apresentação, mesmo a Si mesmo para um maior “, para que Deus seja tudo em todos”. São Paulo não nos dá muita ajuda, talvez na resolução desta antinomia “ (inconsistência) (p. 708) . Paul não é inconsistente , nós é que têm sido inconsistentes em nossa interpretação de Paul, em nosso esforço para fazer de Jesus “Deus”.

Revelando declarações de outras fontes credíveis.

Existem outras fontes confiáveis, tais como enciclopédias, dicionários e obras seculares que fazem declarações reveladoras a respeito da doutrina da Trindade não ser encontrada na Bíblia. Eles não têm “machado para moer” aparente em conta a sua verdade ou o erro, mas fazem essas declarações com base em história e estudiosos. Aqui estão alguns exemplos:

“A doutrina da Trindade; a fé católica é esta: Nós adoramos um em trindade, mas uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho e outra do Espírito Santo – a Glória igual; a coeternal Majestade A doutrina não é encontrado. na sua forma plenamente desenvolvida nas Escrituras. A teologia moderna não pretende encontrá-lo na OT. Na época da Reforma da Igreja Protestante assumiu a doutrina da Trindade, sem um exame sério . ” (. New Intl Ency .; 1916 Ed .; Vol 23;.. P 47, 477).

“Nenhum registro da fórmula trinitária pode ser descoberto nos atos ou as Epístolas dos Apóstolos.” (. Intl Padrão Bíblia Ency .; Vol 1;. 396 p.).

“A doutrina da Trindade não fazia parte da pregação dos apóstolos”(Ency Intl .; U. Of Glasgow;. 1982 ed .; Vol 18;. 226 p.).

“É uma interpretação errada comum, mas de patente da abertura do Evangelho de João para lê-lo como se ele disse:” No princípio era o Filho e o Filho estava com Deus eo Filho era Deus’. O que aconteceu aqui é a substituição do Filho por Palavra, e, assim, o Filho é feito um membro da Trindade, que existia desde o princípio “. (Dr. Colin Brown, “Trindade e Encarnação: In Search of Contemporary Ortodoxia;” Ex auditu; (7); 1991; p 88-89.).

Os crentes em Deus como uma única pessoa (Deus Pai), eram “no início do terceiro século ainda era formada pela grande maioria . ” (Ency Britannica;.. 11ª ed .; Vol 23;. P 963).

“Hoje, os estudiosos em geral concordam que não há nenhuma doutrina da Trindade, como tal, tanto no OT ou o NT. Seria vão muito além das formas de pensamento de intenção e da OT supor que um quarto do final do século,, ou cristão do século XIII , a doutrina pudesse ser encontrados lá. Da mesma forma, o NT não contém uma doutrina explícita da Trindade “. (Harper Collins Ency do catolicismo;.. P 564-565).

“A Trindade é um ‘mistério’, uma fórmula ou concepção que realmente transcende a compreensão humana. Afirma-se que, embora a doutrina esteja além do alcance da razão humana que … pode ser apreendido (embora possa não ser compreendido) pelo mente humana. O pleno desenvolvimento do trinitarismo ocorreu no Ocidente , na Escolástica dos Idade Média , quando uma explicação foi realizado em termos de filosofia psicologia , especialmente recuperada pelo aristotelismo da 13 th Century “. (Ency Americana;. Vol. 27;. P 27-28).

” O NT não contém a doutrina desenvolvida da Trindade . A Bíblia não tem a declaração expressa de que o Pai, o Filho eo Espírito Santo são de igual essência e, portanto, em um sentido igual a si mesmo a Deus. E a outra declaração expressa também falta, que Deus é Deus, assim, e só assim, ou seja, como o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Estas duas declarações expressas, que vão para além do testemunho da Bíblia , são o duplo conteúdo da doutrina da Igreja da Santíssima Trindade. ” (New Intl Dict de NT Teologia;… Colin Brown, Gen. Ed .; Vol 2;. P 84).

“Doutrina trinitária, como tal, surgiu no século IV , em grande parte devido aos esforços de Atanásio e os Capadocianos … A doutrina da Trindade formulada no final do século IV , portanto, afirma que o único Deus aparece em três Pessoas. O objetivo deste formulação foi a de professar que Deus, Cristo e Espírito são igualmente responsáveis ​​pela nossa salvação, portanto, cada um deve ser divino . ” (Harper-Collins Ency do catolicismo;. Richard P. McBrein, Ed .; p 1,271.).

“A doutrina da Trindade é uma tentativa de pós-bíblico para trazer a expressão coerente diversas afirmações sobre Deus … Para os cristãos, o único Deus apareceu no que se chamou de uma tripla “economia”, por assim dizer, três formas ou modos . As dificuldades surgiram logo na formulação e compreensão da tríplice ‘economia.’ Teólogos católicos e protestantes tem procurado de várias maneiras tornar a doutrina, afirmada em Nicéia, compreensível . No pensamento religioso do Iluminismo (17ª e 18ª séculos), houve uma forte reação contra Trinitarianismo como um mistério “ortodoxo” sem base em qualquer experiência ou razão . ” (Academic Intl. Ency .; Lexicon Pub .; 1992 ed .; p. 300-301).

Com estas declarações em mente que eu concordo plenamente com o que o meu velho amigo, o falecido Bispo D.L Welch quando disse: “A doutrina da Trindade é tão fraco como o caldo da sombra de um peru.” Não admira que o falecido Dr. Adrian Rogers, ex- . pastor de Bellevue Igreja Batista de Memphis, TN, começou um sermão sobre a doutrina da Trindade com esta declaração: “Senhoras e senhores, eu vou confessar-vos no início desta mensagem que eu não entendo isso” ( Trindade) . Não é de admirar um autor famoso, a quem o Dr. Billy Graham chama um de seu escritor favorito Evangélica de, disse em uma carta para me recentemente: “Como vocês sabem, a Trindade foi um dos temas mais debatidos da primeira 5 séculos, e ainda nos coçando a cabeça . “

A teologia deve ser inteligível .

Concordo com o Prof. Ryrie quando ele começa seu livro “Teologia Basic” com estas declarações relativas a teologia cristã:

“A palavra ‘teologia,’ de ‘theos’, que significa Deus e” logos “que significa a expressão racional, significa que a interpretação racional da fé religiosa. Teologia cristã significa, portanto, a interpretação racional da fé cristã. A teologia é inteligível . Ele pode ser compreendida por a mente humana em uma ordem, racional “(p. 13). Ryrie continua, “Deus se comunica em um normal, simples ou literal maneira. Ignorando isso irá resultar no mesmo tipo de exegese confusa que caracterizou a patrística e intérpretes medievais ” (p. 17).Infelizmente, o irmão Ryrie quebra sua própria regra quando ele vem para a doutrina da Trindade.

O imperador está nu

A doutrina da Trindade com a sua falta de cobertura bíblica me faz lembrar de um conto de Hans Christian Andersen chamado “A Roupa Nova do Imperador”. A história diz respeito a um imperador que era tão vaidoso quanto ao que ele usava que ele não se preocupava com nada, exceto exibindo roupas novas.

Dois vigaristas vieram à cidade, e pegando na vaidade do Imperador, eles decidiram constrangê-lo e fazer um monte de dinheiro. Eles foram chamados para apresentar ao Imperador um terno novo, mas em vez de usar o dinheiro que eles receberam para comprar a mais fina seda, eles teceram a calça, casaco e manta de material invisível “leve como uma teia de aranha.”

O Imperador mal podia esperar! Dia após dia, ele enviou funcionários para ver o trabalho em andamento. Eles tinham vergonha de dizer a ele que não tinham visto nada, então eles voltaram cada vez exclamando sobre o design e cores magníficas.

Finalmente chegou o dia para o Imperador para liderar uma grande procissão com as requintadas roupas novas. Colocá-los, com seus funcionários ao redor dele, exclamando, ele não se atreveu a dizer-lhes que se sentia nu. Toda a sua comitiva olhou e olhou. Uma não viu mais do que o outro, mas todos eles se juntaram ao Imperador em exclamando: “Oh! É bem bonito!” Sua carruagem estava esperando. Deu a cada um dos vigaristas uma cruz para usar em volta de seu pescoço, e conferindo a cada o título de “Sir Weaver,” partiu para liderar o grande desfile.

Todo mundo nas ruas e janelas animou e disse: “Oh, como são belas as roupas novas do Imperador! Não cabem a ele com perfeição? E ver sua longa comitiva!” Ninguém se atreveu a confessar que ele não conseguia ver nada.

“Mas o imperador está nu”, disse um menino. “Bem, isso é verdade!”, disse o pai. E uma pessoa sussurrou para outro o que a criança tinha dito: “Ele não tem nada sobre si. Uma criança disse que está nu.” Ganhar coragem toda a cidade gritou por fim, “O Imperador não tem nada em si!”

Você pode perguntar: “o que você está dizendo?” Eu estou dizendo que a doutrina da Trindade é Biblicamente nua , e eu estou chamando todos aqueles que vêem e amam a verdade para se juntar a mim em se manifestar.

No amor cristão,

Joel Hemphill

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* http://www.trumpetcallbooks.com/trinity_truth.html

Inácio e os problemas que o envolvem

Outro escritor da safra do segundo século é Inácio1. O detalhe deste é que, ao menos nos escritos atribuídos a ele, é reconhecido por seus estudiosos como um antissemita2. É, também, dos chamados “pais apostólicos”3, o mais usado pelos que defendem a deidade de Jesus pois nas cartas que ele teria escrito há, pelo menos, cinco ou seis supostas ocorrências de expressões onde ele teria chamado Jesus de Deus. Antes de considerar essas afirmações algumas coisas, porém, precisam ser ditas acerca de Inácio. Além das características antissemitas de seus escritos o que explica a tendência de desapego ao monoteísmo como apresentado pelos judeus; precisamos, também, atentar para algumas coisas: Ainda que a existência de Inácio entre o primeiro e o segundo século d.C seja atestada por historiadores como Eusébio de Cesareia, os escritos atribuídos a ele estão envoltos em muitas discussões, chegando mesmo a desconfiança de não serem autênticos, seja o todo ou parte. Isso ocorre porque, no geral, costumamos associar a data da carta ao período de vida do escritor. Este raciocínio é correto e óbvio, mas em se tratando de escritos antigos temos um problema que deve ser levado em consideração. O fato de Inácio ter vivido no segundo século não significa que o que temos em mãos, alegados com seus escritos, tenham sido realmente escritos por ele ou em sua época. A suspeita a esse respeito se deve, não porque não tenhamos os autógrafos, teoricamente produzidos por ele, mas, pelo fato de haver relatos em seus escritos que são considerados por alguns de seus analistas como anacrônicos para a época. Sheldon comenta o trato que é dado ao episcopado: “Inácio, no entanto, parece ter sido uma exceção à sua época no grau de ênfase que ele colocou sobre a dignidade episcopal. Ele fica tão praticamente só a esse repeito que alguns se dispuseram a questionar a autenticidade das epístolas atribuídas a ele. Baur declara ser impossível que qualquer escritor de uma época tão precoce pudesse ter proferido tais noções episcopais elevadas, como as que aparecem nas chamadas epístolas inacianas4. Nessas epístolas há cerca de 125 vezes a ocorrência da palavra “bispo” sempre o colocando em uma posição de destaque em uma época em que a igreja não estava definida com o tipo de estrutura eclesiástica que ele apresenta. Alguns escritores até mesmo consideram muito do que se fala de Inácio um resultado posterior de elaboração histórica e não de um fato histórico propriamente dito: “Toda a história de Inácio é mais lendária do que real, e seus escritos estão sujeitos a grave suspeita de interpolação fraudulenta5. Algumas coisas na história supostamente escrita por Inácio não se harmonizam com o que ocorria à época sugerida de sua autoria. Na carta de Inácio aos Romanos, por exemplo, ele introduz: “à Igreja que preside na Região dos Romanos” dando a entender uma primazia romana que não se verá senão séculos mais tarde.

Bernard D. Muller lembra que não havia nenhum motivo para Inácio ser levado à Roma para execução. A condenação “por causa do nome e na esperança” para um cristão não seria suficiente. Essa condenação já declarada e reconhecida em suas epístolas também indica que ele não era cidadão romano, pois um cidadão romano seria julgado em Roma. Plínio, o jovem, em uma de suas correspondências ao imperador Trajano, indica que cristãos ainda não julgados poderiam ir à Roma para julgamento desde que fossem cidadãos romanos, mas não  havia necessidade de serem levados para lá os que não sendo cidadãos romanos já houvessem sido condenados localmente. O próprio Plínio não enviou os cristãos já condenados para martírio em Roma: “Eu próprio perguntei-lhe se eram cristãos. Aqueles que reconheciam sê-lo, repeti essa pergunta uma segunda e uma terceira vez, ameaçando-os com o suplício. Aqueles que persistiam mandei executá-los. Com efeito, o que quer que significasse a sua confissão, era para mim indubitável que aquela teimosia, aquela inflexível obstinação merecia ser punida. Houve outros possuídos da mesma loucura, que em razão de sua qualidade de cidadãos romanos, designei para serem enviados a Roma6 (grifei). A menção de Inácio de tornar-se alimento das feras, também não condiciona a necessidade de ir para Roma, pois no apócrifo “Atos de Paulo e Tecla”, Tecla, a heroína, é jogada às feras no anfiteatro de Licaônia, outros dizem que foi na própria arena de Antioquia, cidade de Inácio. Eusébio mesmo informa que os cristãos condenados em cidades gaulesas foram executados lá mesmo, no final do segundo século. A despesa que daria ao império para conduzir por um roteiro como o sugerido nas epístolas inacianas um preso já condenado não justifica o suposto percurso feito por Inácio, principalmente porque ele teria feito uma rota por terra, passando por Esmirna que não era caminho, tornando tudo mais dispendioso que um percurso por mar para duas cidades próximas à costa: Antioquia e Roma. Há ainda uma longa discussão sobre a evidência interna das cartas, que apesar da semelhança entre si, mostram, também, muitas discrepâncias e incongruências, o que aponta para a possibilidade de mais de um autor7. Por questões de espaço não vamos abordar todos os detalhes aqui8, mas a título de exemplo temos a questão do uso recorrente da alusão ao bispo existente em praticamente todas cartas, e apesar de sugerir o primado romano, Inácio não faz menção do bispo em sua carta aos romanos. Bernard D. Muller observa que o arranjo “presbitério”, “presbíteros” e “diáconos” aparece em aos Ef. = 3, aos Mg. = 8, aos Tr. = 9, aos Fd. = 8, aos Smr. = 3, a Pl. = 2, mas aos romanos a referência é zero vez. Não há menção a existência do bispo de Roma e o escritor aos Romanos vai mais além; em 9.1 se lê: “Lembre-se em suas orações da igreja que está na Síria, que tem Deus como seu pastor, em meu lugar Jesus Cristo será o seu bispo – Ele e seu amor.” Nesse verso, a despeito da preocupação latente do respeito, reverência devida e importância dos bispos locais, Inácio teria sugerido que na Síria (que parte da Síria?) ficaria sem bispo local na ausência dele, e Jesus Cristo seria o bispo. Isto é algo completamente discrepante para quem dá tanta importância aos bispos locais nas outras epístolas. Esse detalhe dá a entender uma autoria diferente para a carta aos romanos.

Outro exemplo nos é dado por Muller! A preexistência de Jesus é ensinada em aos Magnésios:

…Jesus Cristo, que estava com o Pai antes dos mundos e apareceu no fim dos tempos.” (6: 1)

… Jesus Cristo, que veio para diante de Pai” (7: 2)

… Os divinos profetas viveram depois de Cristo Jesus. Por isso também foram perseguidos, sendo inspirados por Sua graça até o fim … Jesus Cristo, Seu Filho, que é a Sua Palavra que procede do silêncio, que em todas as coisas era bem agradável a Ele que O enviou.” (8: 2).

Mas, parece ser negada nas outras cartas:

Porque o nosso Deus, Jesus, o Cristo, foi concebido no ventre de Maria de acordo com a dispensação, da descendência de David, mas também do Espírito Santo, e Ele nasceu … E escondida do príncipe deste mundo foi a virgindade de Maria9” (Ef. 18: 2-19: 1-A)

… Jesus Cristo, que era da raça de Davi, que era o Filho de Maria, que realmente nasceu …” (Tr. 9: 1)

Ele é verdadeiramente da raça de David segundo a carne, mas filho de Deus pela vontade e poder divino, verdadeiramente nascido de uma virgem …” (Smr 1: 1)

Isso parece mostrar que a carta aos Magnésios não foi escrita pela mesma pessoa que escreveu a carta aos Efésios, aos Tralianos e aos Smirnianos. Além de conter relatos não endossados pelos escritos neotestamentários como, por exemplo, o relato de Mg. 9.2b “Como podemos viver sem aquele que até os profetas, seus discípulos no espírito, esperavam como Mestre? Foi precisamente aquele que justamente esperavam, quem ao chegar, os ressuscitou dos mortos”, onde se alega que Jesus havia ressuscitado antigos profetas de Israel. Por essas e outras coisas os escritos atribuídos a ele são os que mais tem gerado discussão entre os estudiosos da patrística. Some-se a isso o fato de haver, pelo menos, três recessões de seus escritos: Duas gregas (uma maior e outra menor) e uma siríaca encontrada somente no séc. XIX e que contem três epístolas atribuídas a ele: Epístola de Barnabé, Epístola de Policarpo e Epístola aos Efésios. Houve uma época em que se acreditava que Inácio havia escrito 15 epístolas, dentre elas, aos Tarsos, aos Antioquinos, a Herói, um diácono de Antioquia, aos Filipenses, a Maria de Neápolis (em Zarbo), Primeira Epístola a São João, Segunda Epístola a São João; mas o estudo crítico mostrou tratar-se de falsificações, já que o linguajar adotado é ainda mais anacrônico que as ideias contidas nas outras epístolas. Três epístolas só existem em versões latinas, quando era de se esperar que houvesse também em grego. Mesmo as outras epístolas que são consideradas (ou convencionadas) de Inácio, mas não por todos os especialistas, não estão livres de problemas. Acerca disso a obra Ante-Nicene Fathers10, Vol. 1, informa: “Mas, embora a forma mais curta das cartas de Santo Inácio tenha sido geralmente aceita em detrimento da maior, tem havido uma opinião bastante prevalente entre os estudiosos, que ainda não podem ser consideradas como absolutamente livres de interpolações, ou como de autenticidade inquestionável” (destaquei). Assim, os escritos de Inácio parecem ser aqueles que, fora do Novo Testamento, tem as bases mais inseguras para tentar reconhecer ou atribuir deidade a Jesus a partir deles.

Uma das reivindicações feitas sobre a suposta afirmação de Jesus como Deus nos escritos de Inácio decorre de uma citação da epístola a Policarpo cap. VIII: “em Jesus Cristo, nosso Deus” que não aparece na versão siríaca. Na verdade, todo o capítulo VIII na versão siríaca é apenas um versículos, o epílogo: “Saúdo-o que é contado digno de ir a Antioquia, em meu lugar, como já te mandei”. Da epístola aos Efésios é tirada outra citação usada comumente nos livros de apologética trinitária, cap. VII “Deus existente em carne; verdadeira vida em morte; tanto de Maria e de Deus”, na outra versão grega está diferente: “o Filho unigênito e Palavra, antes dos tempos eternos, mas que depois se tornou também o homem, da Maria Virgem. Pois ‘o Verbo se fez carne’”, além de não se fazer qualquer referência a “Deus existente em carne” no mesmo capítulo na versão siríaca. Ainda no cap. XVIII: “Porque o nosso Deus, Jesus Cristo, foi, de acordo com a nomeação de Deus, concebido no ventre de Maria”. Na versão siríaca não se encontra esse verso e na outra versão grega tem redação diferente: “Porque o Filho de Deus, que foi gerado antes dos tempos eternos, e estabeleceu todas as coisas de acordo com a vontade do Pai, Ele foi concebido no ventre de Maria”. Outra declaração tomada dos escritos de Inácio se encontra na mesma epístola em XIX: “o próprio Deus sendo manifestado em forma humana”, mas, mais uma vez é dito de forma diferente na versão siríaca: “E aqui, na manifestação do Filho, a magia começou a ser destruída”. A outra ocorrência é tirada de sua epístola aos Romanos, cap. III: “Porque o nosso Deus, Jesus Cristo, agora que ele está com o Pai, é ainda mais revelado” e mais uma vez na outra versão grega temos uma declaração diferente: “O cristão não é o resultado de persuasão, mas de poder, quando ele é odiado pelo mundo, ele é amado de Deus”. A outra ocorrência pode ser lida na epístola aos Esmirnianos, cap. I: “Eu glorifico a Deus, Jesus Cristo, que te fez sábio”, no outro texto grego se lê: “Eu glorifico o Deus e Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo que te fez sábio”. Como se percebe os textos gregos, ora diferem entre si, ora diferem do siríaco no trecho que chamam Jesus de Deus. Assim, os escritos atribuídos a Inácio tem problemas sérios que inviabilizam uma identificação positiva de que ele tenha chamado Jesus de Deus por Inácio, e ainda mais quando os próprios crísticos reconhecem que mesmo a versão menor do grego, aceita por muitos, não se pode dizer que está livre de falsificações.

Na suposta epístola de Inácio a Virgem Maria, que é uma das consideradas do pseudo-inácio, é citado um arranjo trinitário, mas, mesmo assim, não como uma consubstancialidade de pessoas na Deidade. Para ele a filiação divina de Cristo tem início com a encarnação: “É a partir dela que há uma Trindade11 de Deus, Cristo e o Espírito Santo12.

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1 Falecido em 110 d.C

2 Inácio faz em todo compêndio atribuído a ele somente três vezes alusões ao Antigo Testamento.

3 Diz-se daqueles que estavam vivos enquanto alguns dos apóstolos também estavam.

4 Apud Henry C. Sheldon em História da Igreja Cristã,, Vol 1, p 147

5 Apud Philp Schaff em História da Igreja Cristã, Vol.2, ch 4

6 Carta de Plínio ao imperador Trajano (111-112 d.C)

7 Para uma amostragem mais detalhada veja https://www.oocities.org/b_d_muller/ignatius.html (originalmente estava em http://historical-jesus.info/ignatius.html)

8 Uma delas, por exemplo, são as referências ao gnosticimo de Basílides surgidas após a morte de Inácio em 110 d.C.

9 Inácio aqui teria feito alusão a virgindade perpétua de Maria, dogma sustentado ainda hoje pela igreja Católica Romana.

10 http://www.biblestudytools.com/history/early-church-fathers/ante-nicene/vol-1-apostolic-with-justin-martyr-irenaeus/ignatius/third-epistle-same-st-ignatius.html

11 Destaque-se que aqui também a palavra trindade é, certamente, adaptação de Padovese, não de Inácio que viveu no ano 107 d.C, portanto antes de Tertuliano, “inventor” da palavra trindade. Inácio, certamente, falou de uma tríade.

12 Idem, pág. 64

Hb. 13.8. Será Jesus eterno?

Hb. 13.8 não prova a eternidade de Jesus. A primeira observação a ser feita nessa questão é que a expressão “Jesus Cristo” situa Jesus no tempo. Ou seja, é aquele conhecido carpinteiro. Mesmo que Jesus houvesse ou houver preexistido. O verso 8 fala do Jesus conhecido, o histórico. Aquele que foi visto. O nome Jesus e o identificativo Cristo o situam historicamente e não como preteritamente eterno.

Diga-se de passagem, também, que a expressão “ontem” não é uma expressão de eternidade, mas de temporalidade. O patriarca Jó disse em 8:9 “Porque nós somos de ontem…”. Certamente “ontem” não é a melhor palavra para se alegar que alguém seja eterno.

A verdadeira expressão para eternidade plena é dita acerca de Yahweh, o Pai: Sl 90:2 “Antes que os montes nascessem, ou que tu formasses a terra e o mundo, mesmo de eternidade a eternidade, tu és Deus.” e 1Cr 29:10 “Por isso Davi louvou a Yahweh na presença de toda a congregação; e disse Davi: Bendito és tu, Yahweh Deus de Israel, nosso pai, de eternidade em eternidade.”

Esta é a forma bíblica de dizer que alguém é eterno: “Eternidade a eternidade”.

A palavra “ontem” porem remete a um momento no tempo e não a um momento fora do tempo.

Assim, Hb. 13.8 não é suficiente para se afirmar que Jesus é um ser de “eternidade a eternidade”, a não ser pela vontade de quem quer achar assim.

Miguel Servet é queimado vivo por não ser trinitário

Michael Servetus (em espanhol: Miguel Serveto Conesa), também conhecido como Miguel Servet , Miguel Serveto, Revés, ou Michel de Villeneuve (29 de setembro? 1509 ou 1511-1527 October 1553), foi um espanhol teólogo, médico, cartógrafo e humanista renascentista. Ele foi o primeiro europeu a descrever corretamente a função da circulação pulmonar. Ele era um polímata versado em muitas ciências: matemática, astronomia e meteorologia, geografia, anatomia humana, medicina e farmacologia, bem como jurisprudência, tradução, poesia e o estudo acadêmico da Bíblia em suas línguas originais. Ele é conhecido na história de vários desses campos, especialmente medicina e teologia. Ele participou da Reforma Protestante, e mais tarde desenvolveu uma cristologia não trinitariana. Condenado por católicos e protestantes da mesma forma, ele foi preso em Genebra e queimado na fogueira como herege por ordem do Concílio Protestante de Genebra.

(http://en.wikipedia.org/wiki/Miguel_Servet)

O artigo a seguir é tradução do original em inglês que pode ser encontra do em:

http://www.miguelservet.org/servetus/trial.htm

O JULGAMENTO DE MIGUEL SERVET

“É um abuso condenar à morte aqueles que estão errados em sua interpretação das Escrituras. Esta coima só deve ser imposta para assassinos.” (Carta a Aecolampadious, Calvino, op. VIII, 862)

Miguel Servet era um aragonês vagando em um tempo dominado pelas lutas religiosas inicialmente trazidas pela Reforma Luterana. Servet sacudiu os alicerces da fé cristã de seu tempo com suas doutrinas antitrinitarianas e anabatistas. Como Erasmo de Rotterdam (ver seu Elogio da Loucura), mas a partir de uma posição mais radical, Servet também criticou a corrupção na Igreja e propôs um retorno às raízes e pureza do cristianismo. Servet, no entanto, não foi condenado por suas críticas à Igreja, mas principalmente por sua oposição à interpretação de Niceia da doutrina da Trindade e sua rejeição ao batismo de bebês.

A doutrina da Trindade repousa na crença de que Deus é uma única essência, mas a unidade essencial da natureza divina é compartilhada entre três pessoas: o Pai, o Filho (Logos) e o Espírito Santo. As três pessoas juntas são Deus, mas ninguém é individualmente Deus. Servet estudou textos religiosos judeus e muçulmanos e chegou à conclusão de que a principal diferença dogmática entre as três religiões monoteístas descansou no conceito cristão de Jesus Cristo como o Filho Eterno de Deus. Talvez guiado por um espírito ecumênico, Servet estudou as Sagradas Escrituras em profundidade e onde, de acordo com ele, não encontrou uma única referência à Trindade. Para Servet, Jesus Cristo era um homem a quem Deus tinha infundido a sabedoria divina e só neste sentido se pode dizer que ele era o Filho de Deus. No entanto, só Deus é eterno, não o seu Filho.

A teoria Servet faz de Jesus Cristo uma espécie de profeta, e desta forma traz o cristianismo mais perto do islamismo e judaísmo. A doutrina da Trindade foi um dos dogmas em que católicos, protestantes e calvinistas estavam de acordo. Por esta razão, qualquer ataque a este dogma era considerado uma ofensa grave nas jurisdições civis e eclesiásticas de praticamente toda a Europa cristã.

Na verdade, antes de ser processado em Genebra, Servet foi perseguido e condenado a ser queimado na fogueira pela Inquisição francesa em Vienne Dauphiné (França). Em 7 de Julho de 1553, Servet fugiu da prisão em que ele tinha sido confinado. Uma vez que eles não poderia queimá-lo em pessoa, a sentença foi executada pela queima de uma efígie de Servet, juntamente com alguns de seus livros “heréticos”.

Depois de perambular de um lugar para outro por três meses, Servet decidiu dirigir-se ao Reino de Nápoles, controlado pela monarquia hispânica, com a intenção de praticar a medicina entre os espanhóis que vivem lá. Não está claro o que fez Servet escolher a rota de Genebra. Seja qual for a razão era, em 13 de agosto de 1553. Servet foi reconhecido e preso por ordem de Calvino em Genebra.

A alegação contra Servet não foi enviada por Calvino em pessoa, mas através de um homem de frente chamado Nicholas de la Fontaine. Calvino decidiu agir através de um intermediário, pois, de acordo com as leis processuais em vigor em Genebra (ou seja, o Código Carolinus), o autor [das acusações] teria que permanecer preso com o réu até que o último fosse declarado culpado ou innocent. Uma análise detalhada de cada uma das fases do processo que levou Servet ao madeiro vai além do escopo deste artigo. No entanto, é interessante ressaltar dois aspectos fundamentais deste processo: em primeiro lugar, o facto do Tribunal civil, que julgou Servet não ter jurisdição sobre crimes de heresia e, em segundo, o erro que os juízes de Genebra cometeram quando realizaram a análise jurídica dos alegados crimes cometidos por Servet.

Em 22 de agosto de 1553, Servet encaminou uma petição ao Conselho Menor de Genebra, o órgão competente para julgá-lo, e pediu ao Conselho para rejeitar a acusação criminal. Servet argumentou em sua defesa que a doutrina que defendia a pena de morte por interpretar as Escrituras de forma incorreta não foi incorporado na doutrina dos Apóstolos e os discípulos da igreja iniciante. No mesmo mandado, Servet pediu um advogado para auxilia-lo. O Procurador-Geral recusou os dois pedidos. A razão dada pelo Promotor Público para recusar o pedido de Servet de ter uma assistência jurídica era que, uma vez que Servet foi hábil o suficiente para “mentir” tão bem, ele era inteligente o suficiente para se defender

A discussão relativa à origem das acusações criminais que encontram diferenças na interpretação das Escrituras era menos frívolas. Servet argumentou que, durante os primeiros séculos da existência do cristianismo, a Igreja tentou resolver suas diferenças internas, por meio de discussão pacífica. Esta situação começou a mudar quando o cristianismo se tornou a religião oficial do Império Romano, como resultado do Edital de Constantino (313). Embora que o Concílio de Niceia (325) já havia condenado a abordagem antitrinitariana de Ário. Heresia religiosa não foi criminalizada até o reinado do Imperador Teodósio, o Grande (379-395)

O Código de Teodósio foi concluído pelo Código de Justiniano (527-534). Este último código, que estava em vigor nos territórios do Sagrado Império Romano, prescrito no capítulo “Da summa catholica Trinitate et fide, hereticis, apostatis” a pena de morte para quem negar a doutrina da Trindade e o batismo de crianças. O Código de Justiniano poderia ter constituído a base jurídica para emitir o julgamento contra Servet. Na verdade, os juízes de Genebra perguntaram a Servet se ele sabia da existência deste texto legal. Servet respondeu que ele sabia da existência, mas que, em qualquer caso, a sua existência não invalidava seus argumentos, já que Justiniano não pertencia à Igreja primitiva, mas sim a uma época em que “os bispos começaram sua tirania, e acusações criminais foram introduzidas na Igreja”. O Código Justiniano, no entanto, não serviu como a base jurídica da sentença contra Servet, já que todas as leis do Canon (católico) tinham sido abolidas pelos reformadores de Genebra. Portanto, a questão que se coloca ainda é: qual foi a base legal que permitiu que os juízes em Genebra condenassem Servet?

Embora o acórdão que declarou Servert culpado não o mencionasse expressamente, parece que Calvino e os juízes basearam sua decisão diretamente sobre a Lei Mosaica, que estabeleceu que todos aqueles que proferem blasfêmias contra Jeová devessem ser condenado à morte (Levítico 24:16 e capítulo XIII do Deuteronômio).

Os argumentos de Servet, no sentido de que, no Novo Testamento, era difícil encontrar quaisquer declarações em favor da punição de fatos criminosos por meio de leis, como aqueles com os quais Servet estava sendo imputado, foram superados pelos argumentos a favor de punir blasfemadores com base no Antigo Testamento alegado por Calvino durante o julgamento.

O confronto entre Servet e Calvino reflete a tensão entre dois conceitos opostos de entender a Divindade. A visão de Servet de Deus foi o do Novo Testamento (ou seja, um Deus não relacionado com o Deus vingativo propagada pelos teólogos medievais). É só tendo em conta este ponto de discordância que podemos compreender a referência de Servet à liberdade religiosa e da tolerância religiosa. Pelo contrário, Calvino, junto com Lutero, espalharam a imagem de um Deus vingativo pronto para o Juízo Final que pode ser encontrado no Antigo Testamento. Curiosamente, o conceito medieval de Deus defendido pelos reformadores entrava em confronto com o conceito de Deus, que foi espalhada durante o Renascimento.

Em 26 de outubro de 1553, o Conselho emitiu o seu juízo contra Servet ordenando-lhe ser queimado vivo no morro da Champel. A sentença declarou que Servet era culpado por ter imprimido há vinte e três ou vinte e quatro anos atrás, um livro (“De Trinitatis Erroribus”) que continha “blasfêmias” contra a Trindade e de ter “corrompido” os cristãos e espalhar sua “heresia antitrinitariana” em um trabalho posterior (“Christianismi Restitutio”). Além disso, o juízo condenou Servet por se opor ao batismo de crianças. Deve-se notar que os juízes de Genebra parecem ter intencionalmente errado na qualificação das acusações contra Servet. A partir dos registros do julgamento e da fundamentação do acórdão, não se pode inferir que o crime de que Servet estava sendo acusado tivesse sido cometida no território de Genebra.

Aplicando os princípios mais elementares do Direito Penal, os juízes deveriam ter absolvido Servet, ou simplesmente o considerar culpado de tentativa de cometer esse crime e, portanto, eles deveriam ter aplicado uma pena menos rigorosa, como banimento. Finalmente, também é surpreendente que o pedido de Servet de ter seu caso perante o Conselho dos Duzentos (órgão encarregado de legislar, em Genebra, e de eleger os 25 membros do Conselho Pequeno) tenha sido ignorada pelos magistrados de Genebra. Esta decisão dos juízes, juntamente com a sua recusa em permitir que Servet fosse assistido por um advogado, é mais um exemplo das irregularidades que viciaram o processo contra Servet e demonstram o escasso rigor legal do tribunal de Genebra, provavelmente devido à forte influência que Calvino exercida sobre os juízes.

Em 27 de outubro de 1553 Servet foi levado para o morro de Champel. Seu corpo foi amarrado a um madeiro com uma corrente de ferro e seu pescoço fixado com uma corda pesada. Os carrascos colocaram em sua cabeça uma coroa de palha polvilhada com enxofre. Como é habitual neste tipo de execuções, uma cópia de seu “Christianismi Restitutio” foi colocada debaixo de seus pés.

A execução durou mais de duas horas por causa da lenha verde usada pelos executores. Até o último momento, os reformadores de Genebra tentaram convencer Servet a abjurar suas doutrinas. Mas tudo foi em vão, Servet, apesar da prisão severa e cruel a que tinha sido sujeito se manteve fiel às suas doutrinas, não por teimosia, mas por causa da convicção. Calvino o condenou, mas a história, por vezes, o tribunal mais eficaz de recurso, logo o absolveu. Sua integridade moral durante o processo e, finalmente, antes das chamas não foi esquecida em seu tempo. A morte heroica de Servet levou outros humanistas a levantarem suas vozes contra Calvino e em favor da liberdade de pensamento. Mas o exemplo de Servet foi sentido além de seu tempo. É semeado o germe de um debate intenso e profundo sobre a liberdade de religião e de consciência que foi desenvolvido por alguns filósofos do século XVIII e que, finalmente, inspirou os processos de democratização que ocorreu nas sociedades ocidentais durante os séculos XIX e XX.

(Versão atualizada do artigo de Sergio Baches Opi “Miguel Serveto. Anotaciones actuales sobre un proceso ignominioso”, publicado em Diario del Alto Aragón, domingo, 16 de junho, 2002, e na Revista Serrablo, Ano XXX, n º 118, Dezembro de 2000) .

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