É possível admitir que dentre os escritos do Novo Testamento os relatos do evangelista São João sejam aqueles que tem alguns dos versículos mais abundantemente usados para se tentar determinar provas ao dogma trinitário. Curiosamente, embora existam umas poucas passagens, Jo. 1.1-3; 16.30; 20.28; I Jo. 5.201, que podem ser, descontextualizadamente, destacadas para referenciar uma suposta identificação de Jesus como sendo o próprio Deus; o Deus de quem Jesus mesmo, fazendo clara distinção entre ambos, o chamou de verdadeiro Deus em Jo. 17.3; João é o evangelista que mais destaca o subordinacionismo e dependência ontológicas sob a qual Cristo está em relação a Deus, seu Pai. E o fez, não somente como cronista, mas como alguém que registrou as palavras do Salvador mesmo se identificando como um ser essencialmente diferente e dependente de Deus. Isso termina por denunciar a inexistência da co-igualdade requerida por alguns teólogos entre Pai e Filho, endossando por consequência o unitarismo ensinado na Bíblia desde Adão e anulando a intenção de legitimação do dogma trinitário. (Igualdade na essência e diferença na relação, segundo Agostinho.)
Aqui traremos à baila versículos conhecidos, mas certamente serão mostrados muitos outros reveladores, desconhecidos ou preteridos por muitos doutrinadores na questão cristológica. Se verá vários desses versículos onde João, o mesmo que escreveu Jo. 1.1 e Jo. 20.28, indica que Jesus não é um consubstancial com seu Pai. Há versículos além dos listados aqui que já foram ou serão comentados em outras postagens.
Como já comentamos os primeiros versículos do capítulo um de João, seguiremos adiante e perceberemos que nos versos 16 e 18, ele é reconhecido como unigênito Filho de Deus. Se “unigênito” significa único da espécie ou único gerado, nenhuma nem outra expressão significa que ele seja Deus, pois se ele é “único da espécie”, então, Deus, o Pai, é de outra espécie já que Jesus seria único de sua espécie e se é único gerado, então, todo gerado tem um começo.
No encontro com Nicodemos, por exemplo, capítulo 3, vemos a identificação de um Mestre, vindo da parte de Deus e não o próprio Deus.
Em 3.34 Jesus afirma “Porque aquele que Deus enviou fala as palavras de Deus; pois não lhe dá Deus o Espírito por medida.”. Ora, Jesus poderia ser o próprio Deus e a Bíblia dizer isso que está dito no verso? Muito claramente vemos de forma taxativa a informação que Nosso Senhor Jesus Cristo foi “aquele que Deus enviou”, Ele jamais diz: “Eu me enviei”, e é Deus que lhe dá o Espírito sem medida.
No verso seguinte vemos a plena dependência e a fonte de poder do Filho: “O Pai ama o Filho, e todas as coisas entregou nas suas mãos.” Se eles são imanentemente a mesma substância, como se alega, o Pai não precisaria entregar nada ao Filho, pois como “Deus” o Filho já teria.
Em 4.22 “Vós adorais o que não sabeis; nós adoramos o que sabemos porque a salvação vem dos judeus.”, aqui se considerarmos verdadeiro o conceito do “Deus Filho”, teríamos, então, uma situação meio gnóstica: Deus adorando Deus, pois se Jesus tem as duas naturezas (Deus e homem) em uma única pessoa, Ele, Jesus diz que, ele próprio, uma pessoa judia juntamente com todos os outros judeus adoram a Deus. Mas se ele é como sempre afirmou ser e foi reconhecido, o Filho de Deus, então, como judeu e Filho adorou ao Pai, assim como seus compatriotas e como nós também devemos fazer.
A mulher samaritana, testificou de Jesus Cristo e os samaritanos ouviram as palavras do Senhor, ao término da audição concluíram não que Ele era Deus, mas “verdadeiramente o Cristo, o Salvado do mundo” (4.42).
Quando o acusaram de querer “se fazer igual a Deus” por haver dito que era Filho de Deus (5.18), Ele, de pronto, refuta a acusação e já no verso imediatamente seguinte, v.19, João o Evangelista registra o esclarecimento feito pelo próprio Senhor Jesus: “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por si mesmo não pode fazer coisa alguma…”. Veja que ele usou o enfático “Na verdade, na verdade”. Se ele falou como Filho, então não falou como um simples ser humano; falou exatamente como Filho de Deus, ou seja, com aquele título designativo que alguns teólogos costumam usar para afirmar que Ele é o próprio Deus Filho, mas Ele insiste em desfazer esse mal entendido ao dizer que não, e repete em 5.30 “Eu não posso de mim mesmo fazer coisa alguma…”. Falando dEle mesmo, seja na terceira pessoa “si mesmo” (v. 19) ou na primeira pessoa “mim mesmo” (v. 30) Ele afirma não poder fazer coisa alguma.
Ao verem Jesus realizando milagres o povo não o identificava como o Deus de Israel, mas como o profeta que deveria vir Jo. 6.14 “Vendo, pois, aqueles homens o milagre que Jesus tinha feito, diziam: Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo.” e mais uma vez se confirma no v. 69 “E nós temos crido e conhecido que tu és o Cristo, o Filho do Deus vivente”. Curiosamente alguns cristãos atribuem o poder de operação de milagres de Jesus a uma possível deidade, mas esses versos provam que isso é um engando, pois os milagres era atribuído a um profeta da parte de Deus, seu Filho Jesus Cristo.
Jesus, nosso Senhor, deixa claro que a obra de Deus é crer naquele que ELE, Deus, enviou (Jo. 6.29), mais a frente no v.32 diz: “meu Pai vos dá o verdadeiro pão do céu” e nos versos 33 e 48 ele se identifica como o “pão de Deus”, associando sempre Deus a Pai e Pai a Deus e jamais se chamando a si mesmo Deus.
Vale a pena trazer o registro de João em 6.45 “Está escrito nos profetas: E serão todos ensinados por Deus. Portanto, todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim.”, onde muitos trintários usam para afirmar que Jesus é Deus, mas perceba que este verso diz exatamente que ele não é ao asseverar: “todo aquele que do Pai ouviu e aprendeu vem a mim”, veja que quando alguém é ensinado pelo Pai (e a parte inicial diz que os que são “ensinados por Deus”) vai a Jesus. Assim, o verso não está chamado, em hipótese algum Jesus de Deus, mas aqueles que são ensinados por Deus, o Pai, vão a Ele (Jesus).
Jesus vive pelo Pai. Jo. 6.57.
Em 6.69 vemos Pedro confirmando aquilo que todos os de bom coração reconheciam em Jesus: “o Cristo, o Filho do Deus vivente“.
Leiamos com atenção o registro de João em 7.17 quando Jesus fala de doutrina que ensinava: “Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo.” O Nosso Senhor Jesus Cristo ao falar de Deus mostra não ser ele próprio Deus e contrasta de forma inconfundível a distinção entre os dois. Pois Ele alega que se falasse de si mesmo, ou seja, suas próprias palavras, não seria Deus falando. Ora, não alegam, por ventura, que Nosso Senhor Jesus é o “Deus-Filho” ou “Deus em forma humana”, como, pois não falaria de si mesmo, se ele fosse o que os trinitarianos dizem que ele é? E, como alegaria ele que a doutrina é provinda de Deus e não dele mesmo, se ele fosse o que os trinitarianos dizem que ele é? Como podem esses ensinadores desdizerem Jesus e afirmar que Ele seja aquilo que Ele não disse ser?
Também é oportuno atentar para o registro que João faz das palavra de Jesus em 7.29 depois de dizer que havia sido enviado por Deus, o Pai, Ele diz: “Mas eu conheço-o, porque dele sou e ele me enviou.” Jesus diz claramente “sou dele” mas nunca diz “sou ele”. Ele pertence a alguém maior que ele, e este é Aquele que o enviou.
João registra em 7.40 que a multidão não o concebia como Deus encarnado, pelo contrário o viam com um mensageiro de Deus aos homens: “Então muitos da multidão, ouvindo esta palavra, diziam: Verdadeiramente este é o Profeta.”
Jesus diz em Jo. 8.28 “… e que nada faço por mim mesmo; mas falo como meu Pai me ensinou.” Como poderia Jesus ser um consubstancial ou um co-igual com Deus, seu Pai, como reivindicam alguns e precisar aprender alguma coisa? Nele não estariam unidas na mesma pessoa as duas naturezas? Tomar a forma de servo será que significa desaprender, esquecer e etc… A Bíblia ensina isso? Jesus teria se esquecido das coisas celestiais e desaprendido tudo? Aqui é oportuno destacar que Ele, Jesus, tanto pode ter aprendido o que fazer na terra aquilo que o seu Pai desejou, quanto depois da encarnação. Seja como for temos poucas opções: Se Ele era Deus teria perdido a consciência e precisou reaprender tudo o que falar e o que fazer; ou se, de fato, não era Deus, então, foi ensinado por ELE, que é justamente o que a Bíblia diz!
Perceba a declaração de Jesus registrada por João em 8.42 “… pois que eu saí, e vim de Deus; não vim de mim mesmo, mas ele me enviou.” Hipotetizemos que Jesus seja o próprio Deus. Uma hipóstase participante da Deidade. Admitamos Ele como sendo Deus na eternidade pretérita; uma única substância conjuntamente com o seu Pai, um único Elohim. Agora façamos uma releitura do versículo e meditemos: Ele disse: “… vim de Deus“; mas, como assim (?), se ele já era Deus na Eternidade? Por que falar de Deus como se fosse outra pessoa se Ele fosse o próprio? “Não vim de mim mesmo”, mas como assim (?), se Ele já era o próprio Deus na Eternidade, porque não viria de si mesmo? Se Ele é Deus e Deus é Ele como poderia não vir de si mesmo? Mesmo considerando o esvaziamento (knosis) sugerido em Fl. 2.6, Ele, se fosse Deus, teria vindo de si mesmo, pois o esvaziamento seria apenas a segunda parte do processo de vinda ou auto-envio; a primeira teria sido a decisão de vir. O plano da salvação antes de entrar em execução já existia. Atente que esse versículo é uma declaração do próprio Jesus de que ele não é Deus. Ao dizer que não veio de si mesmo, mas de Deus que o enviou, Ele se exclui da Deidade. Assim, não há como alegar consubstancialidade ou co-igualdade se Ele mesmo afirma categoricamente ter vindo de Deus e não dEle mesmo. Destaque-se que o verso 42 é ratificação do verso 40 que diz: “Mas agora procurais matar-me, a mim, homem que vos tem dito a verdade que de Deus tem ouvido;…” Como se pode perceber ao invés de se identificar como sendo Deus como prefeririam os trinitários, Jesus se identifica como o homem que disse a verdade ouvida da parte de Deus.
Jo. 11.22 “Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá.” Marta confessa ver em Jesus alguém que teria suas orações ouvidas por Deus, mais a frente, ela o reconhece como “o Cristo, o Filho de Deus” (v.27) e no verso 41, todos o viram orar. Certamente nenhum deles iriam supor, e nem a Bíblia o diz, que Deus na terra (já que se afirma que ele é 100% Deus) estivesse orando a Deus no céu. .
João também registra a profecia de Caifás, Sumo-sacerdote naquele tempo quando disse que convinha “que um homem morra pelo povo, e que não pereça a nação” (Jo. 11.50-52). Após o milagre da ressurreição de Lázaro, o Sumo-sacerdote recebeu de Deus uma palavra profética, conforme alega João, não de que Jesus fosse Deus, mas um homem que morria pelo povo.
Jo. 13.10 “… mas o Pai, que está em mim, é quem faz as obras.” É fácil encontrar nas literaturas trinitarianas que os grandes milagres que Jesus fez provam a sua deidade, mas Jesus mesmo diz diferente, ele atribui sua fonte de poder e realização ao Pai, mostrando que sua capacidade vem DELE.
Jo. 16.27 “Pois o mesmo Pai vos ama, visto como vós me amastes, e crestes que saí de Deus. 28 Saí do Pai, e vim ao mundo…” Expressões como essas onde Nosso Senhor Jesus Cristo afirma haver saído de Deus e não que era o próprio Deus, parecem ser inconscientemente rejeitadas por muitos cristãos de hoje, e este é apenas um dentre os muitos e muitos versículos onde Jesus se distingue de Deus quando diz que saiu de Deus e diz também “saí do Pai”. Para Jesus, e nós deveríamos crer e respeitar a crença de Nosso Salvador, Deus é o Pai dele e nosso, dele por geração e nosso por adoção. Aliás faz parte da adoção para salvação reconhecer isso: “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” (Jo. 17.3) Para Jesus o único Deus verdadeiro é o Pai a quem ele estava orando naquele momento, e Paulo, o apóstolo, que nos aconselhou a sermos seus imitadores como ele foi de Cristo, confirma que Deus é um só e esse “um só”, não dois ou três, é unicamente o Pai, I Co.8.6 “Todavia para nós há um só Deus, o Pai”.
Jo. 17.3, o bem conhecido verso “E a vida eterna é esta: que te conheçam, a ti só, por único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste”. Claramente João registra a oração de Jesus, onde Ele diz que o Pai é o único Deus verdadeiro e, Ele Jesus é o seu enviado. A Bíblia diz que o Filho foi enviado pelo Deus verdadeiro e não que o Deus verdadeiro enviou o Deus verdadeiro.
Outro versículo clássico que mostra de forma muito clara que Jesus não é o próprio Deus é Jo. 20.17 “… mas vai para meus irmãos, e dize-lhes que eu subo para meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus.” Aqui ele se revela IRMÃO e não “Deus” de seus discípulos e apóstolos, e, mais ainda que o Pai e Deus de seus seguidores era também Pai e Deus dEle. Será que não devemos respeitar esse ensino claro de Jesus e arrumar argumentos à moda católica romana para o deificar?
Muitos usam a expressão “meu Deus e vosso Deus” para dizer que o Pai era Deus de Jesus de forma diferente de como o Pai é nosso Deus, simplesmente porque Jesus usou “meu” e “vosso” ao invés de “nosso”. Insinuam com isso que Deus é de uma forma Deus de Jesus (porque também ele “seria” Deus) e de outra forma Deus dos discípulos por causa dessas palavras. Mas tal ideia não encontra apoio nas escrituras, pois lemos em Jl. 1.13, por exemplo, “Cingi-vos e lamentai-vos, sacerdotes; gemei, ministros do altar; entrai e passai a noite vestidos de saco, ministros do meu Deus; porque a oferta de alimentos, e a libação, foram cortadas da casa de vosso Deus.”, aqui Joel usa “meu Deus” e “vosso Deus”, e, apesar dessas expressões não se pode alegar qualquer diferenciação de como o Pai é Deus de ambos (de Joel e dos judeus). Paulo também disse: “Graças dou ao meu Deus, lembrando-me sempre de ti nas minhas orações;” (Fl. 1.4) Será que o Deus de Paulo não era de igual modo Deus de Filemon? Ou mesmo At. 7.37 onde lemos: “Este é aquele Moisés que disse aos filhos de Israel: O Senhor vosso Deus vos levantará dentre vossos irmãos um profeta como eu; a ele ouvireis.” Não será o Deus dos filhos de Israel, de igual modo Deus de Moisés?
Há vários outros versículos em João mesmo onde está explícita distinção não somente de filiação, mas na Deidade, Deus é Deus e Pai, o Filho é Senhor e Salvador constituído por Deus. Como se pode perceber há uns poucos versículos de João que apenas parecem defender uma suposta igualdade entre Deus e seu Filho Jesus Cristo, mas todo o restante do Evangelho de João diz exatamente o contrário. E aqueles versos devem ser contextualizados considerando o modo de escrever do evangelista.
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1Para um estudo sobre esses versos veja na postagem “Versículos diretamente usados para afirmar que Jesus é Deus coigual com Yahweh seu Pai”