Isaías 9.6 “… e se chamará o seu nome: Maravilhoso, Conselheiro, Deus Forte, Pai da Eternidade, Príncipe da Paz.”
Deve-se observar, ao lermos este verso de Isaías, que os nomes judeus trazem uma mensagem; principalmente os nomes teofóricos, mas não necessariamente uma atribuição de identidade pessoal. É possível encontramos nas Escrituras vários nomes significativos como, por exemplo, Jeú (Yahweh, Ele o é), mas Jeú não era Yahweh; Eli (Meu Deus), mas certamente Eli não era o nosso Deus; Jeiel (Deus Consola), mas aquele homem não era o Deus que consolava e etc. Vale lembrar que traduzir os nomes em Isaías 9.6, não está errado, mas para uniformizar deveriam ter traduzido todos os nomes da Bíblia e então, se for legítimo o critério que vê em Is. 9.6 uma atribuição de deidade a Jesus, conheceríamos, por consequência um monte de candidatos a “Deus encarnado”, dentre eles Jeú, Eli, Jeiel e etc. Destaque-se que Jr. 33.16 diz que Jerusalém será chamada de “Yahweh é a nossa justiça”, mas essa afirmação não intenta dizer que a cidade de Jerusalém é o próprio Yahweh.
O nome “Deus Forte” que é um dos destaques dessa relação de nomes, comumente usado para dizer que Jesus é o próprio Deus, na verdade é tradução de “אֵל גִּבֹּור” (El-Gibor), mas além do argumento exposto acima poderemos perceber que tais palavras não atribuem deidade a quem lhes é dirigida por outro motivo. Basta verificarmos Ez. 31.11 onde vemos que os tradutores não verteram a palavra “אֵיל” por “Deus” como fazem em Is. 9.6, ao ser atribuída ao rei de Babilônia; preferiram traduzir por “poderoso”. Caso semelhante também vemos em Ez. 32.21 quando lemos “Os poderosos entre os valentes lhe falarão desde o meio do Seol, …”1 (ARA), “Os poderosos” é tradução de “אֵלֵי גִבֹּורִים” (Elei-Giborim = Deuses Fortes), plural da mesma expressão usada em Is. 9.6. Não precisamos dizer que essas palavras não são um atestado de deidade àqueles a quem foi direcionado o versículo de Ezequiel2, de igual modo não o é a Nosso Senhor Jesus Cristo aquela ocorrência em Isaías. Até porque se o nascido menino Jesus (um menino nos nasceu) fosse literalmente o Deus Forte, por quem teria sido abandonado 33 anos depois, na cruz, quando disse em Mt. 27.46: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Aqui não se pode alegar que ele tenha sido abandonado pela hipóstase (pessoa) Pai, pois o versículo não diz “Pai meu”, mas “Deus meu” (a substância3).
Quanto ao nome “Pai da Eternidade” ou “Pai Eterno” como preferem outras versões, também precisa ser contextualizado, pois, além da questão das traduções dos nomes já abordada, a Bíblia não apresenta, em sentido divino, dois “pais”, mas apenas um, Deus, que é o Pai de Jesus, e, isso é dito por Ele mesmo, Mt. 23.9 “E a ninguém na terra chameis vosso pai, porque um só é o vosso Pai, o qual está nos céus”, e, o próprio credo atanasiano, trinitário, diz: “não confundido as pessoas nem dividindo a substância”. De modo que não pode haver dois “pais”. Jesus pode ser considerado como nomeado “Pai da Eternidade”, mas não no sentido ontológico como Deus é reconhecido como Pai, mas no sentido messiânico, que por sinal é o objetivo desse verso de Isaías, pois é por Ele que obtemos a eternidade, Rm. 6.23 “… o dom gratuito de Deus é a vida eterna, por Cristo Jesus nosso Senhor”.
É de se ressaltar também que o próprio nome Jesus (Yehweh é salvação) não era um nome inédito, tanto que é uma forma do nome Josué, e como tal é encontrado em At. 7.45, Hb. 4.8, onde lemos Josué, está no original grego Jesus (iesous). O apóstolo Paulo mesmo teve um colaborador de nome Jesus, conhecido como o justo, Cl. 4.11. Diga-se de passagem que El-Gibbor (Deus poderoso) é, curiosamente, mais usado pelos trinitarianos para dizer que o Filho de Deus é Deus, que seu próprio nome de nascimento, Jesus, mas isso sem dúvidas decorre do fato do nome Jesus ser mais comum na Bíblia que o nome “El-Gibbor”, como se este último desse um ar de distinção ao argumento, no entanto está provado que “El-Gibbor” além de não ser também inédito, não é atribuição de deidade a quem o possui. Assim, por mais de um motivo não há razão para afirmar igualdade entre Jesus e Deus por conta dos nomes naquele verso de Isaías. Quando dizemos que o nome Jesus é especial não estamos nos referindo ao anagrama formado pelas letras, mas o que Ele representa.
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1 A versão da Almeida Fiel traz: “Os mais poderosos dos fortes lhe falarão desde o meio do inferno…”
2 Ainda em Ez. 31.12 encontramos אֵ֣ל traduzido por governante o que parece estar em harmonia com aquele contexto que ao se refere a um rei. Se considerarmos que o Is. 9.6 também aponta para o futuro monarca, Jesus Cristo, então, cabe ali, com muita propriedade a tradução “governante forte”
3 Definir Deus como uma substância composta por hipóstases não é uma definição bíblica, mas uma arranjo teológico da era pós-apostólica para tentar justificar, ante as dificuldades que surgem quando analisada mais a fundo, a doutrina da trindade