Fp. 2.5-6 De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus, que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus.” É interessante observarmos que a expressão não diz “sendo o próprio Deus”, mas “sendo em forma de Deus” ou “subsistindo em forma de Deus”, e isto decorre da tradução de “μορφῇ Θεοῦ ὑπάρχων” (morphe Theou hypachôn) onde se percebe o verbo “hyparchô” (começar, nascer1, ser o iniciador, dar início), que permite uma tradução literal “iniciando (ou nascendo) em forma de Deus” ou “iniciando (ou nascendo) em forma divina”. A Bíblia de Jerusalém preferiu verter assim Fp. 2.6: “Ele tinha a condição divina, e não considerou o ser igual a Deus como algo a que se apegar ciosamente”. Logo, subsistindo sim, ou seja, consciente de sua condição divina, mas, ele mesmo não se apegou a isso para se fazer igual a Deus, antes, ao invés de querer se elevar, fazendo-se equivalente, esvaziou-se. E isso parece se confirmar quando lemos que, no original, a palavra “apegar ciosamente” ou “usurpar” é a mesma palavra para “roubar”, “raptar”, “apossar-se”, “tomar a força” e etc. (ἁρπαγμὸν do verbo ἁρπάζω). Que sentido teria o Filho querer apoderar-se da condição de Deus se ele já o fosse? Assim, a expressão “ser igual a Deus”, considerando a expressão anterior que diz “sendo em forma Deus” e não “sendo o próprio Deus” é entendida naturalmente como, por exemplo, “sendo dirigente de congregação não teve por usurpação ser igual ao Pastor”, ou seja, não é afirmação de identidade, pelo contrário, é uma condição que Ele, sendo divino, não desejou se “apoderar” ou mesmo “roubar” a condição de Deus, seu Pai, e, nesse sentido, a Bíblia que melhor traduziu isso é a da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB “Ele, existindo em forma divina, não considerou como presa a agarrar o ser igual a Deus.” (Subscrevem esse entendimento as editoras trinitarianas: Ave-Maria, Vozes, Salesiana, Paulus, Santuário, Paulinas e Loyola, destaque-se que todas são trinitárias).

O paralelismo sugerido, entre “forma de Deus” v.6 e “forma de servo” (literalmente “aparência de ESCRAVO”) v7 de Fp. 2, não indica uma situação de inerência, pois Jesus, não pode ser classificado como um Deus-Escravo ou Deus-Servo, pois se assim fosse em nada diferiria da hierarquia de deuses do panteão greco-romano, nem dos sabores gnósticos combatidos no passado. Alguns alegam que se Jesus verdadeiramente foi servo, então, verdadeiramente é Deus, mas esquecem de continuar a reflexão e concluir que a forma de servo não reflete uma inerência do ser de Nosso Senhor, mas um estado que ele passou a ter com vistas o processo da salvação, de igual modo a forma de Deus, ele o teve com vistas o processo da Criação.

Vale ainda destacar que “forma” aqui é μορφῇ (morphê[i]), palavra que está no dativo grego e significa também: aparência, molde, semblante. Alguns pensadores trinitários buscam um sentido de “aparência exterior de uma realidade interior”, mas essa conceituação não é confirmada pelos usos dessa palavra dentro da Bíblia. Μορφή aparece outra vez no NT em Marcos 16.12 “E depois manifestou-se noutra forma a dois deles”, perceba que “forma” foi usado para designar não a essência de Jesus, mas a aparência dele naquele momento vista pelos discípulos, sua forma perceptível. Palavras construídas com morphê surgem ainda em II Tm. 5.3 “…tendo aparência de piedade…”. Como se percebe ela não é usada para atribuir igualdade ou algo inerente, mas informar a aparência. Ainda que alguns léxicos tentem falar de essência não é este o uso comum da palavra e não é este o uso que a Bíblia faz dela. Na Septuaginta, por exemplo, temos esta mesma palavra em Jz. 8.18 “…cada um parecia filho de rei.” (ὡς εἶδος μορφὴ υἱῶν βασιλέων) que pode ser lido “…cada um tinha a forma de filho de rei”. Vale lembrar que naquela época não havia rei em Israel, o que mostra ser, de fato, constatação de aparência. Também em Jó.4.16 vemos μορφή: “…não pude discernir sua aparência…”, bem como em Dn. 5.6 “Mudou-se, então, o semblante do rei…”, também em Dn. 3.19, Dn. 5.9,10; 7.28, Is. 44.13 diz: “O carpinteiro estende a régua … finalmente dá-lhe forma à semelhança dum homem…”. Perceba que a palavra reflete, em todas as ocorrências bíblicas, apenas a aparência e não a inerência daquilo do qual se diz ser forma. Nesse último verso fica claríssimo isso, pois seria difícil fazer alguém crer que ao falar em “forma” o escritor sagrado estivesse dizendo que aquela estátua esculpida fosse “aparência exterior de uma realidade interior” do algum homem.

Se analisarmos o conjunto do que foi escrito perceberemos uma expressão importante cuja compreensão torna ainda mais clara a posição do Filho, não só pretérita mas, também, atual. No verso de Fl. 2.9 se diz: “Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um nome que é sobre todo o nome”. Aqui encontramos expressão “Por isso, também Deus o exaltou”. Perceba que a exaltação que Deus lhe promoveu, não é uma mera restituição de glória, aquela que ele tinha antes da fundação do mundo, pois restituir não é exaltar, mas deu-lhe um nova posição, daí se diz: “Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda a língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para glória de Deus Pai.” Então, porque Jesus se humilhou, esvaziando-se de sua condição divina, Deus, seu Pai, o colocou em uma posição acima de todo nome, cujo dobrar dos joelhos seria, agora, não somente perante o próprio Deus, mas, também ante o seu Filho, constituído Senhor, e tudo seria para Glória de Deus Pai.

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1 Apud Isidóro Pereira, S. J. – Dicionário Grego-Português e Português-Grego, 5ª Edição