O Salmo 110.1 diz: “Disse Yahweh ao meu Senhor: Assenta-te à minha mão direita, até que ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.”. Veja, a Bíblia não diz “Disse Yahweh a meu Yahweh”, nem disse como é traduzido em nossas Bíblias “Disse Senhor ao meu Senhor”, mas “Disse Yahweh a meu Senhor” (נְאֻם יְהוָה לַאדֹנִי “neum Yahweh ladoni”) e é digno de nota observar que a palavra traduzida nesse verso por “Senhor” nas versões para nossa língua é, em hebraico, “adoni”, e não “adonay”1, a diferença é sutil, mas importante. Adoni é palavra aplicada a homens de destaque e poderio, bem como a anjos e possui a mesma raiz que Adonay; desse fato decorre a confusão que muitos fazem em achar que a expressão “meu Senhor” seja um diálogo de Deus com Deus (?) por desconhecer ou ignorar que ali, no original hebraico, não está escrito Adonay e sim Adoni. É de destacar que essas palavras não são usadas intercambialmente nas Escrituras. Ainda que Adonay possa ser usada também para homens, adoni, cujo número de ocorrências no AT chega a 195 veze, em nenhuma delas é usada para se referir a Deus. Os tradutores costumam traduzir o nome Yahweh por Senhor e mantêm a tradução da palavra “adoni” por Senhor fazendo aparecer “Disse Senhor ao meu Senhor”, no entanto tal versão prejudica fortemente o entendimento dos leitores, fazendo com que o estudante da Bíblia tenha uma ideia deturpada do que o Salmo quer dizer, pois acreditam que a tradução por “Senhor” nesse Salmo são ambas traduções de Adonay o que, de fato, não é verdade. Esse tipo de tradução induziu, por exemplo, o escritor Jefferson Ramalho, que segue outros trinitaristas, a uma conclusão equivocada ao dizer acerca desse Salmo: “No versículo citado acima, o seu autor original possivelmente estava referindo-se a um diálogo de Deus com Deus.2. Mas, ao contrário disso, em uma claríssima distinção vemos que Yahweh está acima daquele a quem ELE dirige as suas palavras, e que é reconhecido como “adoni” Senhor (o título), assim ELE, Yahweh, revela ter a soberania para o autorizar a assentar-se ao Seu lado. Justamente a desigualdade e não a co-igualdade faz com que Yahweh determine que Adoni se assente à sua direita. Vemos esta predição cumprida nas palavras do próprio Cristo ao repeti-las em Mt. 22.44, e corroboradas em Lc. 22.69 “Desde agora o Filho do homem se assentará à direita do poder de Deus.” Isto prova, também, que é um equívoco dizer que quando no NT há referência a Jesus como Senhor, sem usar seu nome é porque se deve tomar a palavra “Senhor” como substituto de Yahweh. Essa ideia de entender sempre “Senhor” como substituto direto de “Yahweh”, decorre do fato dos textos gregos a partir da Septuaginta terem vertido Yahweh por Kyrios (senhor), como ocorre no verso que estamos estudando: “εἶπεν ὁ κύριος τῷ κυρίῳ μου” (eipen ho kyrios tô kyriô) fazendo aparecer Kyrios (senhor) duas vezes. Deve-se, porém, registrar o fato de que o primeiro aqui é referente ao Nome Sagrado (Yahweh) e o segundo ao título Senhor (Adoni). A Jesus se aplica o termo enquanto título de poderio, conforme Ele mesmo atesta em Jo. 13.13 “Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque eu o sou.” , mas não enquanto nome, como se vê provado pela aplicação de Lc. 22.69, pois quem se assenta à direita de Yahweh não é o próprio Yahweh, mas o Senhor (Adoni, não Adonay), título que foi dado a Jesus pelo próprio Deus conforme se constata em At. 2.36 “Saiba, pois, com certeza toda a casa de Israel que a esse Jesus, a quem vós crucificastes, Deus o fez Senhor e Cristo.” em cujo contexto, inclusive, o Sl. 110.1 é citado. A propósito, se Jesus fosse Deus já seria Senhor (o título) por natureza e não por constituição de modo que não haveria sentido as palavras de At. 2.36 se considerada a ideia trinitária do “Jesus Deus”.

A palavra “κύριος” (kyrios = senhor) é aplicada a inúmeras pessoas e em diversas situações na Bíblia, provando que o vocábulo não é sinônimo da palavra Yahweh, mas um substituto, não equivalente, por ocasião da tradução do hebraico para o grego. Os vários usos de kyrios pode se perceber por exemplo em:

Donos de propriedades são chamados Senhor, Mt. 20:8.

Donos de casas são chamados Senhor, Mc. 13:35.

Donos de escravos são chamados Senhor, Mt. 10:24.

Os maridos são chamados Senhor, I Pe. 3:6.

Um filho chamou o seu pai de Senhor, Mt. 21:30.

O Imperador romano era chamado Senhor, At. 25:26.

As autoridades romanas são chamadas Senhor, Mt. 27:63.

Mulheres respeitáveis eram chamadas de κυρία “kyria” (senhora), II Jo. 1.1. “Ὁ πρεσβύτερος ἐκλεκτῇ κυρίᾳ…” (O presbítero à senhora eleita…)

O Senhor Jesus sempre fala de Deus na terceira pessoa. Independente de estar falando como Cristo, como Jesus, como Filho, como Homem, como Ressuscitado ou como Glorificado. Sempre, e sempre se referiu a Deus na terceira pessoa, nunca como sendo ele próprio. Pode-se alegar que Yahweh também se referiu a si próprio, como Deus, na terceira pessoa e é verdade! Mas, Ele não deixou de fazer, de forma muito mais abundante e reiterada, referências a si mesmo, como Deus, na primeira pessoa. Se são o mesmo ente, ou substância, era de se esperar Jesus, que também falou de si na terceira pessoa, seguisse a mesma forma de agir e de falar da “Substância”, mas Ele nunca, em situação alguma, afirmou ser Deus.

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1 As Bíblias que traduzem o Sl. 110.1 por “Disse o Senhor ao meu Senhor” o fazem por verterem o nome Yahweh por Senhor, na primeira ocorrência e Adoni por Senhor na segunda ocorrência. Se for lido em uma versão do hebraico transliterado, possivelmente se encontrará “neum Adonay ladoni”, onde aparecerá Adonay em substituição ao Nome Divino e Adoni se referindo àquele a quem Davi chama Senhor, o Messias.

2 Ramalho, Jefferson in Jesus é Deus? – 2008, Editora Reflexão – pág. 152