Uma questão bastante interessante é vermos a afirmação de que Jesus é onisciente, assim como o Pai é, mesmo na existência Mc. 13.32.!

Os versículos usados para atribuir onisciência a Jesus, são basicamente aqueles que dizem que Nosso Senhor Jesus Cristo conhecia os corações e pensamentos, como em Mt. 9.4 “Mas Jesus, conhecendo os seus pensamentos, disse: Por que pensais mal em vossos corações?” ou Mc. 2.8 “E Jesus, conhecendo logo em seu espírito que assim arrazoavam entre si, lhes disse: Por que arrazoais sobre estas coisas em vossos corações?”; no entanto, tais versículos refletem o poder que Deus lhe deu, como também nós poderemos ter I Co. 12.10 “E a outro a operação de maravilhas; e a outro a profecia; e a outro o dom de discernir os espíritos; e a outro a variedade de línguas; e a outro a interpretação das línguas.” O próprio apóstolo Pedro revelou, pelo Espírito, ter essa capacidade de saber das coisas sem que nenhum ser humano o houvesse informado a respeito, em At. 5.3 “Disse então Pedro: Ananias, por que encheu Satanás o teu coração, para que mentisses ao Espírito Santo, e retivesses parte do preço da herdade?” Como Pedro poderia saber que Ananias havia mentido? Isso reflete, por acaso, alguma onisciência em Pedro? Certamente apenas ciência, mas não onisciência.

Voltando para Mc. 13.32 lemos “Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai”. Antes de falar do Filho nesse versículo vale destacar que quando a Bíblia diz “ninguém sabe … senão só o Pai” isto não exclui apenas os anjos e Jesus, mas também o Espírito Santo acerca do qual ninguém pode alegar estar em carne, ter sido feito homem ou se esvaziado. Uma coisa é conhecer a pessoa outra é saber o que ela sabe. Mesmo conhecendo bem nossos pais, filhos, parentes e amigos, não sabemos o que exatamente eles sabem, podemos apenas conhecer algo do que sabem, mas não a totalidade de seus conhecimentos. Tanto o Espírito Santo quanto Jesus conhecem o Pai em profundidade, mas não sabem o que ELE sabe. Nosso Senhor Jesus Cristo não sabia o dia de sua volta (nem o Filho), e quando disse que não sabia é porque não sabia mesmo, pois foi Ele quem nos ensinou em Mt. 5.37: “Seja, porém, o vosso falar: Sim, sim; não, não; pois o que passa daí, vem do Maligno.” Afirmar que Jesus tenha dois centros de consciência e que ora falava por um centro, ora pelo outro é um artifício “teológico” que, buscando justificar a impossível doutrina da igualdade absoluta de Jesus, nosso Senhor, com Deus, seu Pai, terminou por transformá-lo em um indivíduo de dupla personalidade ou um dissimulado que mesmo sabendo dizia que não sabia, ou que por um critério completamente desconhecido oscilava em suas respostas, ora por um “centro de consciência”, ora por outro, como se fosse duas pessoas, ainda que a doutrina da união hipostática afirme que há duas naturezas em uma única pessoa e não duas pessoas em um único ente. O agravante desse conceito é que precisaríamos reconhecer que não haveria comunicação entre os dois centros de consciência, pois como a informação poderia estar presente na consciência do “Deus-Cristo” e não estar disponível ao Homem-Cristo, além do mais a “detectação” por qual dos centros de consciência Jesus estaria falando fica a critério do leitor, atribuindo as falas de Nosso Senhor a uma fala “como homem” ou “como Deus” dependendo da ocasião, quando sequer esse tipo de arranjo é mencionado na Bíblia. Agostinho tenta resolver essa dificuldade trinitária alegando que “Ele [Jesus] ignora o que não quer dar a conhecer, isto é, ignorava-o para manifestá-lo aos discípulos1, mas estranhamente ele também disse na mesma obra: “Quem considera que Deus agora se esquece e depois se lembra, ou têm outras opiniões semelhantes, está totalmente em erro…”2. O curioso é que dizer que Deus é um e único, no sentido estrito da palavra, como sempre foi ensinado, por milhares de anos pela Bíblia, agora é considerado uma heresia, mas dizer que Jesus tem dois centros de consciência e “ignora o que sabe para não dar a conhecer as coisas aos discípulos”, depois de Jesus mesmo ter dito que nosso falar deve ser “Sim, sim; não, não”, é estranhamente considerado doutrina bíblica e ortodoxia cristã por alguns. As Escrituras dão provas que Jesus tinha apenas uma e plena consciência de quem era e o que fazia aqui na terra, e a usava sem qualquer perda de memória, polarização ou oscilação, também mantinha plena lembrança do seu período pré-encarnação. Em Jo. 6.62, por exemplo, lemos “Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava?” e, ainda Jo. 17.5 “Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.” Há quem reivindique Jo. 16.30 “Agora conhecemos que sabes todas as coisas..”, como prova da onisciência de Jesus, mas aqui seria trocar as palavras dEle, Jesus, que disse: “Eu não sei a data” Mt. 24.36, pelas dos discípulos que disseram “sabes todas as coisas”. Mas, há contradição? Claro que não! Basta ler o contexto de Jo. 16 para perceber que os discípulos, ao dizer “sabes tudo” estavam se referindo as perguntas feitas a Cristo e que Ele as haviam respondido todas, de modo que concluíram “não necessitas de que alguém te interrogue. A própria Bíblia diz que: “E vós tendes a unção do Santo, e sabeis tudo” ( I Jo. 2.20). Seríamos nós também oniscientes? ” Ora, se ao termos a unção pode-se dizer que sabemos tudo, muito mais Aquele que foi ungido seu Pai. Além do mais não podemos ter essas palavras dos discípulos como uma avaliação cabal e plena do conhecimento de Jesus pois, para isso eles, os discípulos, precisariam saber de tudo também para poderem mensurar e dizer com propriedade, atestando, que Jesus sabia de tudo. Outro versículo também usado, nessa mesma linha, é Jo. 21.17 “Disse-lhe terceira vez: Simão, filho de Jonas, amas-me? Simão entristeceu-se por lhe ter dito terceira vez: Amas-me? E disse-lhe: Senhor, tu sabes tudo; tu sabes que eu te amo. Jesus disse-lhe: Apascenta as minhas ovelhas.” Mas, nesse versículo de João os requerentes esquecem de avaliar a condição pretérita de Nosso Senhor Jesus Cristo, pois se ele fosse Deus na eternidade passada, um co-igual com o seu Pai, ele saberia, consequentemente, o dia da volta antes de encarnar. Ai surgem as dificuldades: Jesus teria esquecido? Só seria onisciente eventualmente enquanto na terra? O despojamento preconizado em Fl. 2.6 significou despojamento também de mente e memória? A essas perguntas a Bíblia é claríssima:

Jo. 1.27 “Este é aquele que vem após mim, que é antes de mim, do qual eu não sou digno de desatar a correia da alparca.

Jo. 3.12 “Se vos falei de coisas terrestres, e não crestes, como crereis, se vos falar das celestiais?” (lembrava das coisas celestiais)

Jo. 8.28 “… e que nada faço por mim mesmo; mas falo como meu Pai me ensinou.” (lembrava do ensino do Pai)

Jo. 6.62 “Que seria, pois, se vísseis subir o Filho do homem para onde primeiro estava?” (lembrava de sua antiga posição)

Jo. 12.49 “Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar.” (lembrava dos mandamentos do Pai sobre o que falar)

Jo. 17.5 “Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.” (lembrava da glória que tinha, antes mesmo do mundo existir)

Jo. 18.36 “Disse-lhe, pois, Pilatos: Logo tu és rei? Jesus respondeu: Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci, e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz.” (lembrava os motivos que o fizeram vir ao mundo)

Lc. 13.43 “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste?” (lembrava das tentativas de resgate de seu povo)

O próprio profeta de Deus, João Batista, testifica de que ele era antes dele, mesmo sendo mais velho seis meses. Jo. 1.30 “Este é aquele do qual eu disse: Após mm vem um homem que é antes de mim, porque foi primeiro do que eu.

A Bíblia em absolutamente lugar algum diz que Jesus Cristo, Nosso Senhor, tenha esquecido as coisas de sua vida pré-encarnação. Nada se fala de um apagar da mente do Salvador. De um despojar das lembranças. Pelo contrário, não com poucas ocorrências, mostra-se que ele tinha plena consciência das coisas passadas. Muitos insistem em dizer que Jesus estava em sua condição humana, mas como vimos a condição humana não apagou as lembranças do passado celestial. Pois bem, se ele não esqueceu absolutamente nada de sua vida passada com o Pai, antes de o mundo existir, e testemunha isto diante de todos, isso significa que ele não sabia, de fato, o dia de sua volta, mesmo antes de encarnar e continuou sem saber na terra. É uma conclusão inevitável que decorre dos versos que falam de sua memória pretérita. E, se ele não sabia e continuou não sabendo na terra, pois não esqueceu nada do passado, mostra que falta nele um dos atributos de seu Pai, Deus: A onisciência.

Se alguém alegar a condição terrena de Jesus para o seu desconhecimento de sua vinda, então, também não poderá reivindicar onisciência que costumam alegar como acontece com o uso que fazem, por exemplo, de Lc. 10.22 “Tudo por meu Pai me foi entregue; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar”, primeiro porque aqui está dito “Tudo por meu Pai me foi entregue” e segundo porque esse conhecimento entregue ao Filho pelo Pai é partilhado com quem o Filho quiser revelar, implicando dessa forma na percepção de que conhecer o indivíduo é conhecer o seu caráter, suas características e coisas do gênero e não força a conclusão de que isso signifique saber o que ele sabe, doutra sorte “aquele a quem o Filho o quiser revelar” saberia tanto quando o Pai e o Filho sabem e essa conclusão não é plausível dentro da Bíblia, muito mais quando lemos em Jo. 12. 49 “Porque eu não tenho falado de mim mesmo; mas o Pai, que me enviou, ele me deu mandamento sobre o que hei de dizer e sobre o que hei de falar”. Ora, uma mente onisciente entre o Pai e o Filho implicaria dizer que nada é oculto ao Filho, mas não é isso que o próprio Filho testifica nesse verso. Está claro que ele recebeu do Pai . A Bíblia não querendo deixar dúvida da limitação e dependência de Jesus, além de todos os versículos já mostrados, o apresenta recebendo revelação da parte de Deus, mesmo em sua condição de glorificado, para poder comunicar aos seus servos as coisas que estariam por acontecer em Ap. 1.1 “Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer…

Assim, nenhuma resposta satisfatória ou ao menos plausível foi dada, até hoje, à passagem de Mc. 13.32: “Mas daquele dia e hora ninguém sabe, nem os anjos que estão no céu, nem o Filho, senão o Pai.”, pois se Ele, Jesus Nosso Senhor, era onisciente por versículos como Mt. 9.4 e Mc. 2.8 porque, então, Ele mesmo diz não saber o dia de sua volta? É possível a um onisciente, assim defendido como tal com base naqueles versículos, não saber alguma coisa?

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1Agostinho in A trindade, Paulus Editora, 2ª Edição – 1994, pág. 54

2Idem, pág. 24