São mais de 40 ocorrências da expressão “Filho de Deus” no texto do Novo Testamento, mas “Deus Filho” ou mesmo “Deus, o Filho” não há uma sequer.

Alguns interpretam que a expressão “Filho de Deus” é uma prova, por si só, de que Jesus é Deus, mas é justamente por essa expressão que vemos que ele não é. Ele é Filho! Para alguns “Filho de Deus” = “Deus”. Como a contextualização bíblica é quase sempre ignorada por quem acha que “Filho de Deus” signifique “Deus” ou “Deus Filho”, deveríamos meditar no seguinte: Se a expressão “Filho de Deus” atribuísse automaticamente igualdade com a Deidade seria extremamente estranho um homem, judeu, ao ser apresentado a um Rabino que o notou debaixo de uma figueira já, de imediato, lhe dissesse: “você é o Deus Eterno, Supremo Soberano do Universo”. Pois bem, se as expressões fossem equivalentes isso teria acontecido com Natanael, pois ele disse em João 1:49: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és rei de Israel”. Mas, será realmente que funcionava desse jeito, ou seja, todos aqueles que estavam iniciando sua caminhada junto ao Mestre, um jovem rabino, filho de um carpinteiro conhecido da pequena cidade de Nazaré, que estava começando a se tornar popular, já, de cara, o consideravam Deus? Aquele mesmo Deus que libertou Israel e fez grandes prodígios na antiguidade, Egito, Babilônia, Assíria, Canaã e etc.? Ou devemos reler as palavras de Natanael, este mesmo Natanael que teve Jesus anunciado por Felipe nos seguintes termos: “Havemos achado aquele de quem Moisés escreveu na lei, e os profetas: Jesus de Nazaré, filho de José.” (Jo. 1.45). Ora, onde Moisés falou de Deus feito carne? Não terá falado Moisés de um Profeta semelhante a ele? Não terão falado os profetas de um Messias? E o próprio Felipe por acaso não o identificou como filho de José? Será que é razoável afirmar que Natanael guinou da informação dita a ele minutos antes de que estava ali próximo um dos filhos de José e Maria e passou a achar que era o próprio Deus em carne e ossos ali diante dele? Relembremos as três coisas ditas por Natanael: “Rabi”, “Filho de Deus” e “rei de Israel”. Apenas isso!

João Batista, em Jo. 1.34, disse : “Eu mesmo vi e já vos dei testemunho de que este é o Filho de Deus”. O profeta às margens do Jordão disse em alto e bom tom “este é o Filho de Deus”. Meditemos, se isso fosse atribuição de deidade, significaria dizer que o Batista estava chamando Jesus, aquele homem que todos podiam ver, de “o Deus Eterno de Israel”, Aquele Deus, habitante dos céus, a quem conheciam como imortal e invisível. Será que essa era a intenção de João, e será que era essa a compreensão dos primeiros discípulos? Será que os judeus entenderiam essa expressão exatamente assim? Será que achariam natural que Deus estivesse ali em carne e ossos na frente de todos eles? Ou percebiam essa expressão como aquela que já havia sido dita por Deus em outras ocasiões, entre Deus e aquele a quem ele chama de filho, sem qualquer atribuição de deidade, como por exemplo, Israel, Ex. 4.22 “Então dirás a Faraó: Assim diz o Senhor: Israel é meu filho, meu primogênito” ou até mesmo e muito mais evidentemente com uma conotação messiânica conforme se afirma na passagem profética encontrada em II Sm. 7.14 “Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho…” quando fala acerca de Salomão. Se devêssemos entender a afirmação de João e Natanael da forma como querem os trinitários era de se esperar em cumprimento da Lei mosaica, um levante geral do povo para que todos fossem mortos ali mesmo. Certamente essa é uma ideia descontextualizada da realidade bíblica! É a visão dos dias atuais apontando para o passado e não do passado para os dias atuais, onde se deve seguir uma sequência e considerar a história de Israel. Até porque eles esperavam o Messias, o que viria para remir Israel da mão de seus inimigos, da descendência de Davi para se assentar em seu trono. Não podemos supor que eles esperassem uma “encarnação de Deus” que iria sair do trono da majestade celeste para reinar em Israel, mas o Filho de Davi. Essa ideia de “Deus encarnado” não era e nem é a promessa contida nas Escrituras.

Sem a malícia dos judeus, Marta reconhece a Jesus como Filho de Deus, mas para ela isso não significou que Ele fosse o próprio Deus ou o “Deus Filho”, pelo contrário ela já em Jo. 11.22 havia dito “Mas também agora sei que tudo quanto pedires a Deus, Deus to concederá.” ou seja, ela não o via como sendo o próprio Deus, mas alguém a quem Deus não negaria um pedido; o Filho de Deus. Ela testemunhou em Jo. 11.27 “Disse-lhe ela: Sim, Senhor, creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo. 28 E, dito isto, partiu, e chamou em segredo a Maria, sua irmã, dizendo: O Mestre está cá, e chama-te.” Perceba que ela disse: “O Mestre está cá”, ora se Filho de Deus fosse sinônimo de Deus Filho, era de se esperar depois dessa “brilhante” e “assombrosa” revelação, que ela dissesse para sua irmã “Deus está cá, e chama-te”, não o fez porque não procurava incriminar Jesus para o crucificar como pretendiam os judeus. Todos o que estavam ali viram Nosso Senhor Jesus Cristo orar a Deus, seu Pai. Se a expressão “Filho de Deus” fosse sinônimo de “Deus Filho” teríamos ali uma situação esdrúxula, pois todos os judeus ali presente estariam estranhamente considerado normal e possível Deus na terra em carne e ossos rogando a Deus no céu à realização de um milagre.

Também o Sumo Sacerdote depois de os judeus conseguirem prender Jesus, pergunta ao Senhor: “Conjuro-te pelo Deus vivo que nos digas se tu és o Cristo, o Filho de Deus”. Vemos aqui que a expressão “Filho de Deus”, no sentido messiânico, associa-se com a palavra “Cristo”. O Sacerdote insistia com Jesus para que ele dissesse pelo Deus vivo se era o Cristo, Filho de Deus. Para o Sumo Sacerdote a expressão “Filho de Deus” não o identificava como o “Deus vivo”, mas como o “Cristo”. Ora, a pergunta do sacerdote não tem sentido equivaler a: “Conjuro-te pelo Deus vivo que me digas se és Deus”(?). A esperança da vinda do Filho de Deus sem que Filho significasse o próprio Deus estava na mente dos judeus da época, como se confirma nas palavras de Marta, em Jo. 11.27; nas palavras de João, o evangelista, em Jo. 20.31; e até de espíritos como os demônios em Lc. 4.41, além de outras ocorrências. Os fariseus O rejeitavam porque não viam nEle, Jesus, o cumprimento das profecias; não viam nele o Messias prometido, então, para eles, se Jesus se auto afirmava “o Cristo”, era se fazer Deus, não no sentido da co-igualdade, pois o Ungido de Deus, não é o próprio Deus, arrogando para si a autoridade para se sentar no trono de Yahweh se auto-proclamando Cristo, algo que somente Deus o poderia designar. Esse entendimento dos judeus é retratado em Jo. 19.7 falando acerca do fato de Jesus afirmar ser Filho de Deus diziam: “… deve morrer, porque se fez Filho de Deus.” Se os fariseus cressem nas Escrituras de forma correta creriam em Jesus e não o acusariam, pois perceberiam que Deus o havia enviado, mas porque não o criam, entendiam que Jesus estava querendo se colocar no lugar de Deus para se proclamar Cristo, daí o acusarem de blasfêmia.

O Centurião juntamente com os que estavam com ele também reconheceram em Jesus sua filiação com Deus e podemos ler isso em Mt. 27.54 “E o centurião e os que com ele guardavam a Jesus, vendo o terremoto, e as coisas que haviam sucedido, tiveram grande temor, e disseram: Verdadeiramente este era Filho de Deus”. Pela equação trinitariana, temos que “Filho de Deus” = “Deus”, isso equivale a dizer que aquelas pessoas que estavam de sentinela guardando ao Senhor no momento da crucificação teriam dito, ante a morte de Jesus, “verdadeiramente este homem era o próprio Deus”, agora perceba a paradoxalidade que a atribuição de Deidade a Jesus em virtude da expressão “Filho de Deus” causa. Se teria dito “este era Deus”, ou seja, “era” e já não é pois morreu, e isto seria admitir que Deus morre, visto ter sido isso que aquelas pessoas testemunharam; uma morte. Mas a Bíblia diz que Deus é imortal (I Tm. 6.16). Logo se verifica que a equação trinitariana é contrária ao ensino bíblico e que Filho de Deus não significa Deus, nem mesmo Deus Filho.

Somente “Deus” ocorre mais de 650 vezes no NT. A expressão “Deus Pai” aparece 11 vezes, “Deus, o Pai” ocorre 4 vezes, “Deus e Pai” ocorre 14 vezes, “Deus nosso Pai” ocorre 12 vezes, e, sem dúvida, decorre do ensino de Jesus Cristo, ao dizer: “Portanto vos orareis assim: Pai nosso...”, nessa oração Deus é apresentado como Pai de todos. E é assim que Jesus nos apresenta Deus, como Pai. Paulo confirma isto em I Ts. 3.11 “Ora, o próprio Deus e Pai nosso e o nosso Senhor Jesus”. Quando o escritor sagrado pretendia mostrar o grau de identificação que ele tinha com Deus usava “Deus Pai”. “Deus Pai” e termos assemelhados denotam, portanto, relação de intimidade entre Deus e seus servos, agora, filhos através de Jesus Cristo. Ficam ausentes ou melhor inexistentes, dentro de toda a Bíblia, expressões como “Deus Filho”, “Deus e Filho”, “Deus, o Filho”, “Deus nosso, o Filho”, assim como “Deus Espírito Santo”, “Deus e Espírito Santo”, “Deus, o Espírito Santo” e “Deus nosso, o Espírito Santo”, isto por si só já deveria nos dizer alguma coisa, de modo que, focando os usos de “Deus Pai” na Bíblia, não parece ser natural deduzir “Deus Filho” ou “Deus Espírito Santo” a partir daquela expressão, pois não é esse tipo de Deus que a Bíblia pretende mostrar, mas quem Deus é para nós. J. N. D. Kelly falando acerca dos primeiros apologistas cristãos nos informa que “para todos eles, a descrição “Deus Pai” não indicava a primeira Pessoa da Santa Trindade, mas a Divindade única, considerada autora de tudo1 o que existe”2 e isso se confirma quando lemos Ml. 2.10 “Não temos nós todos um mesmo Pai? Não nos criou um mesmo Deus?…”. Ora, se o Filho é Deus e Filho de Deus, se o Espírito Santo é Deus e Espírito de Deus, então, por via de consequência o Pai é Deus e Pai de Deus (?!) Isso, claro, é mais um disparate não ensinado na Bíblia, mas seria mais uma “dedução” lógica, embora inexistente dentro da Bíblia, se considerada verdadeira a doutrina trinitariana. Tudo isso mostra que não há margem para se alegar a existência de um Deus Filho, mas apenas do Filho de Deus.

1Jefferson Ramalho em “Jesus é Deus?”, publicado pela Editora Reflexão – 2008, à página 35 comenta a posição do bispo Alexandre que, na contra-mão dessa informação, à época da controvérsia sobre a consubstancialidade do Filho com o Pai (III séc.), acusava Ário de atribuir a Deus mutabilidade “pois se Deus só se tornara Pai a partir da existência e criação [melhor entender geração] do Filho, Deus não seria imutável, pois passara por um processo de mutabilidade a partir do instante em que se tornara Pai.” Ora, para os apologistas cristãos primitivos “Pai” é a designação do Criador e isto se vê confirmado em Introdução a Teologia Patrística de Luigi Padovese, da Edições Loyola, ao registrar, à página 61, que em busca de uma solução trinitária, a partir do III séc. “o título de ‘Pai’ deixa de qualificar a natureza ou o ser divino (Pai = Deus) ou de ter caráter metafórico (Pai de Israel) e logo se torna título de pessoa, com o significado de ‘Pai do Senhor nosso Jesus Cristo‘” estritamente. Assim, considerar o tornar-se Pai um processo de mutabilidade de Deus é considerar o tornar-se Criador também um processo de mutabilidade. Se antes não existia absolutamente nada apenas Deus, então, ELE teria se tornado criador a partir da criação, de modo análogo seria sua condição de Pai, daí se conclui que nenhuma, nem outra coisa indica mutabilidade em Deus, mas inerência de seu ser. Deus é criador antes que existisse qualquer coisa , mas as coisas só passaram a existir a partir da dado momento, assim também ele é Pai.

2 Kelly, J. N. D in Doutrinas Centrais da Fé Cristã, pág. 74