Se Jesus não é Deus igual ao Pai o que dizer dos versículos onde se diz que as pessoas o adoravam?

Para entendermos porque o verbo “adorar” é usado em aplicação a Jesus, precisamos primeiro descobrir qual a palavra original que foi vertida por “adorar” e qual é o seu significado dentro do contexto bíblico.

Nas referências onde aparecem a tradução “adorar” ou suas conjugações, o correspondente grego é προσκυνέω (proskynô), que pode ser traduzido por “adorar”, “reverenciar”, “receber respeitosamente”, “inclinar-se”, “prostrar-se” e etc. A palavra indica também sinal de sujeição. Por vezes é usada juntamente com o verbo “πίπτω” piptô (cair por terra, denotando o movimento de prostrar-se). É mais uma palavra grega cuja falta de equivalente exato causa prejuízo no entendimento das Escrituras. A ideia fortemente contida na palavra é reverência. É composta por duas outras palavras: “πρός” (pros) e “κυνέω” (kynô); a primeira é uma preposição, que indica proximidade e direção, e a segunda é o verbo beijar (alguns entendem: beijar a mão), outros entendem uma composição com o substantivo “κύων” (cachorro), denotando o respeito que o cão tem ao seu dono quando sai ao seu encontro para lamber-lhe a mão.

Em seu uso comum, dentro da Bíblia Sagrada, ressalta-se o sentido de reverência, respeito, reconhecimento de superioridade hierárquica ou até mesmo sinal de humildade por parte de quem presta a reverência. Seguramente não é um termo de uso exclusivo no relacionamento do homem para com Deus.

Os LXX traduziram a palavra correspondente do hebraico שָׁחַה (shachah) pelo seu equivalente grego προσκυνέω. Também usado para com os homens e falsos deuses, com relação a esses últimos, por ter conotação cultual, é terminantemente proibido por Yahweh.

Encontramos “proskynô” sendo usado, por exemplo, em Gn. 23.7,12, quando Abraão se inclinou diante dos hititas na terra onde sepultaria Sara. Essa mesma palavra é usada para indicar que Abraão se prostrou diante dos homens que anunciaram o nascimento de Isaque, Gn. 18.2. É ainda a mesma usada para dizer que Ló se prostrou com o rosto em terra ao receber os dois anjos que o iria livrar da destruição de Sodoma e Gomorra. Jacó quando se reencontra com Esaú, ele juntamente com sua família se prostra diante de seu irmão, e, é o mesmo verbo usado na benção de Isaque sobre Jacó em Gn. 27.29. Na benção de Jacó a Judá, Gn. 49.8. No sonho de José onde os feixes que representavam seus irmãos se prostraram diante dele e já no Egito, seus irmãos, de fato, se prostraram (adoraram) diante José, Gn. 43.26. O próprio Moisés “adorou” (reverenciou, mostrou-se sujeito a) seu sogro e o beijo em Ex. 18.7 É o mesmo usado nos 10 mandamentos em Ex. 20.5. Rute também prostrou-se diante de Boaz Rt. 2.10. Ao condenar a família de Eli, Yahweh diz que dos que deles sobrassem iriam se inclinar (adorar) ante aquele que iria tomar o lugar de Eli pedindo comida, I Sm. 2.36. Davi prostrou-se diante de Jônatas I Sm. 20.41. Sibá, servo de Maribaal, se prostra (adora) a Davi, II Sm. 16.4. A Bíblia diz: “Vendo, pois, Abigail a Davi, apressou-se, e desceu do jumento, e prostrou-se (ἔπεσεν) sobre o seu rosto diante de Davi, e se inclinou (προσεκύνησεν) à terra.” (I Sm. 25.23 – LXX) . O próprio Natã, profeta de Yahweh, portanto alguém muito cônscio de suas obrigações com Deus, “adora” (se o conceito trinitário fosse o correto a palavra seria “adora”) Davi em I Rs. 1.23, “E o fizeram saber ao rei, dizendo: Eis aí está o profeta Natã. E entrou à presença do rei, e prostrou-se (προσεκύνησεν) diante dele com o rosto em terra.” E como não podia deixar de ser, é também quando lemos Abraão dizer que iria adorar (prestar reverência a Deus em obediência à ordem que recebeu) juntamente com seu filho, Gn. 22.5. E a mesma em passagens como em Gn. 24.26, no trato que Eliezer dá a Yahweh.

Todos essas ocorrências, e não somente as que se referem a Deus, poderiam ser traduzidas por “adorou”, “adoraram” e assemelhados, mas porque não foram? Simplesmente por opção do tradutor. Ele poderia ter traduzido todos, inclusive as que se referem a Deus por “reverenciou”, “reverenciaram” e etc. Pois bem, isso mostra que a visão que o indivíduo tem da passagem bíblica influi diretamente em sua compreensão do texto e na tradução produzida.

Feitas essas considerações, reflitamos sobre sua aplicação a Jesus, Nosso Senhor. Leiamos Mt. 2.2. Lá encontramos os magos perguntando pelo nascido rei dos judeus, e dizendo “Onde está aquele que é nascido rei dos judeus? porque vimos a sua estrela no oriente, e viemos a adorá-lo.” (ARC). Será que os magos vieram do oriente para “adorar” um rei dos judeus? Ora, não são os judeus monoteístas? Os pais da criança concordariam com um culto ao seu filho? Será que aqueles homens entendiam que o menino fosse o próprio Deus, nascido (?) por aqueles dias? Certamente o sentido de proskynô aqui é o mesmo daquele usado no Antigo Testamento para reverenciar líderes e reis, e os magos vieram prestar homenagem como a bem traduz a própria BJ: “… vimos a sua estrela no seu surgir e viemos homenageá-lo”. Era natural para um rei ser reverenciado, isto fica evidenciado até mesmo pelos soldados romanos responsáveis por punirem Jesus antes de sua crucificação, ironizando dizem: “Salve, Rei dos Judeus … e postos de joelhos o adoravam”. A bíblia do Peregrino prefere “prestavam homenagem” ao referir-se a ação dos soldados. “Adorar” aqui, ainda que por escárnio, é sem dúvida, reverenciá-lo como um rei dos judeus e não como um Deus cultual, até porque os romanos não tinham ao Pai de Jesus como seu Deus, nem a Jesus mesmo como Deus, mas como um provável rejeitado “rei dos Judeus”, e isso está explicitado na placa fixada na cruz: “ … por cima da sua cabeça puseram escrita a sua acusação: ESTE É JESUS, O REI DOS JUDEUS” (Mt. 27.37). As próprias ofertas dadas pelos magos revela o tríplice ministério de Jesus, ouro (rei), incenso (sacerdote) e mirra (profeta). Eles não ofereceram ao menino algum animal imolado como se estivesse sacrificando a Deus. Pelo que se percebe, os magos não o estava considerando Deus, mas alguém que teria ofícios dignos de honra aqui na terra, um Rei.

Os fariseus acusaram Jesus de muitas coisas, mas nunca o acusaram de haver incitado o povo a adorá-lo, prestar-lhe culto, nem mesmo acusaram alguém de o adorar, e isto é significativo, pois prova que ações de adoração, no sentido cultual, a Jesus, de fato, não aconteceram. Veja o caso do cego de nascença que fora curado por Jesus. Naquele relato encontramos, Jo. 9.38-40 “Ele disse: Creio, Senhor. E o adorou. 39 E disse-lhe Jesus: Eu vim a este mundo para juízo, a fim de que os que não vêem vejam, e os que vêem sejam cegos. 40 E aqueles dos fariseus, que estavam com ele, ouvindo isto, disseram-lhe: Também nós somos cegos?”. Se adorar Jesus tem sentido cultual, conforme requerido pelos trinitarianos, como o que prestamos a Deus, como pode os fariseus ávidos por incriminarem Jesus, presenciarem o “culto” do cego ao Senhor e se incomodarem apenas com a insinuação de que Jesus os havia chamado de cegos? Outro exemplo gritante de mal uso de “proskynô” como se fosse adoração é encontrado em Mc. 5.6 “E, quando viu Jesus ao longe, correu e adorou-o.” o contexto mostra que um espírito imundo teria adorado Jesus? É difícil crer que as hostes infernais houvessem perdido o Céu por rejeitarem a Deus lá em cima para virem adorar alguém na terra. Aliás qualquer um que o adorasse, não somente a ele mas a qualquer outra pessoa, seria morto por idolatria, mas isso não aconteceu com ninguém, nem mesmo quando lemos Mt. 8.2: “E, eis que veio um leproso, e o adorou, dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo”; mais uma vez a Bíblia de Jerusalém contextualiza o fato e traduz em harmonia com as ocorrências do Antigo Testamento: “quando de repente um leproso se aproximou e prostrou-se diante dele dizendo: ‘Senhor, se queres, tens poder para purificar-me’”. Achar que os judeus estavam por toda parte adorando ou vendo os outros adorarem alguém que não o próprio Yahweh, o Pai, e fechados os olhos a isso é negar a realidade do monoteísmo zeloso do judaísmo e a historicidade factual da Bíblia. Em Mt. 15.25, vemos que a mulher cananeia reconhece a Jesus como “Senhor” (o título) e “Filho de Davi” (a ascendência), portanto REI, ou seja, aquela mulher não o via como Deus, mas como um que tinha senhorio e era descendente de Davi, assim, não há razão para entendermos que a melhor tradução para proskynô nessas ocorrências seja “adorar”, mas “prostrar-se” se encaixa perfeitamente ao contexto monárquico. Perceba em Mc. 15.19, quando vemos nitidamente que o termo traduzido nas Almeidas por “adorar” ignora o verso 18 onde os soldados ironizam Jesus e o saúdam dizendo “Salve, Rei dos judeus”. Eles debocharam fazendo-se como reverentes de um rei. Outros versos onde encontramos a palavra é Mt. 9.18; Mt. 14.33; Mt. 28.9,17; Mc. 5.6; Lc. 24.52; Jo. 9.38; Hb. 1.6. Há também σέβομαι (sebomai), outra palavra grega que é usada com sentido de adoração, mas reflete muito mais o sentido de temor, devoção, religiosidade. Ocorre 8 vezes no NT. Mt 15.9; Mc 7.7; At 13.43; At 13.50, 16.14, 17.4,17.17, At 18.7.

A insistente tradução de προσκυνέω (proskynô) por “adorar” em nossas Bíblias, em especial no NT, causou, inclusive, uma situação esdrúxula: Jesus estaria dizendo que certas pessoas deveriam adorar outras. Vemos isso em Ap. 3.9 “Eis que eu farei aos da sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus, e não são, mas mentem: eis que eu farei que venham, e adorem prostrados a teus pés, e saibam que eu te amo.” Será que haverá pessoas que vão adorar os crentes da igreja de Filadélfia? Certamente a tradução do Peregrino deixa muito mais claro o sentido original: “Vê o que farei à sinagoga de Satanás, aos que se dizem judeus sem o ser, pois mentem: farei que venham prostrar-se a teus pés, reconhecendo que eu te amo.

Há quem cite Hb. 1.6 “E outra vez, ao introduzir no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem.” buscando uma informação de “adoração” a Jesus, mas ai, na verdade, tem-se outra atestação de que Ele não é Deus, pois os anjos não precisam receber ordem para adorar a Deus, eles o fazem porque foram criados por Deus mesmo também para isso. Se eles receberam ordem de “adorar” alguém, então tal “adoração” já teria sido uma concessão do SER de onde partiu a ordem. Logo, se percebe que a palavra “proskynô” traduzida nesse verso por “adorem” não é a melhor opção. Isto se fosse usado o sentido cultual, mas já sabemos que há também o sentido de reverência e respeito contido nessa palavra.

Alguns tentam alegar que se Jesus não rejeitou a chamada “adoração” porque ele era Deus. Tentam buscar como texto de prova o caso de João diante do anjo no Apocalipse, e, Cornélio com Pedro, apóstolo, este último rejeitou a “adoração” do Centurião. Então, no entender trinitário, o contraste dessas duas situações denotaria a deidade de Jesus, mas seria de bom alvitre termos uma visão panorâmica do que aconteceu. Analisemos, por agora, o caso do centurião Cornélio e o apóstolo Pedro.

Em At. 10.2 lemos que aquele homem era: “Piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus.” e ainda em 10.22 “Cornélio, o centurião, homem justo e temente a Deus, e que tem bom testemunho de toda a nação dos judeus, foi avisado por um santo anjo para que te chamasse a sua casa, e ouvisse as tuas palavras.” Este homem temente a Deus e piedoso que tinha testemunho inclusive dos judeus, teria passado dessa magnifica e honrosa condição diante de nossos olhos à imediata condição de idólatra e repreensível segundo nossos tradutores e segundo o entendimento trinitário corrente, pois teria intentado adorar, sabe-se lá porque, a Pedro e teria sido repreendido por este no ato (?).

O curioso é que o Anjo de Deus havia dito a Cornélio que ele mandasse chamar a Simão, conhecido como Pedro que estava na casa de outro homem, ou seja, nada indicava a Cornélio uma “divindade” digna de “adoração”, pelo contrário, era apenas um crente que estava abrigado na casa de outro. Cornélio já sabia que quem viria a ele era um homem, mas como o próprio Deus, através de seu anjo, foi quem indicou esse homem, então, como era de se esperar da parte do Centurião, acostumado, por profissão, a hierarquia, buscou honrar e reverenciar o enviado de Deus. E como o evento era singular convidou “os seus parentes e amigos mais íntimos.” (V.24) para receber o homem de Deus. Será que era intenção de Cornélio se revelar idólatra diante de uma plateia crente especialmente convidada?

Apesar dessa necessária e clara contextualização da situação apontando para o caminho contrário, parece que a única percepção possível para alguns nos dias de hoje é que Cornélio a despeito de tudo isso, em um estalo de dedos, tornou-se um idólatra! Talvez, a única “base” para essa conclusão tenha sido, além do fato de os tradutores usarem o termo “adorar”, Pedro haver recusado aquela ação. Mas, por que acharmos que Pedro estaria repreendendo um homem cujo testemunho até então era impecável? Talvez a resposta mais apropriada seja: Por causa do dogma trinitário! Sim, pois poderíamos simplesmente entender “Ergue-te, que eu também sou homem” como um simples “levante irmão porque eu sou igual a você”, “levante irmão porque eu não sou melhor que ninguém”, “levante porque estamos no mesmo nível” ou coisas do gênero, ou seja, ao invés de vermos a afirmação como uma “repreensão” a Cornélio, vermos um belo exemplo de igualdade da parte de Pedro. Uma palavra de cordialidade ao invés de uma acusação. Mas, se essa contextualização for feita vai ser menos um verso com a palavra “adorar” e menos um a ser usado em “benefício” da trindade, então, acham que o melhor a fazer é esquecer o contexto em que vivia o Centurião e relacionar a outro verso isolado de contexto como, por exemplo, Ap. 19.10; para mostrar que o anjo recusou adoração, quando também é muito difícil crer que João, digno de receber a Revelação, tenha deixado de lado essa condição espiritual privilegiada e esquecido de todo o momento sublime em que estava para se tornar um “adorador”, gratuito de anjos. Logo ele de quem é dito, nas Escrituras, ser o discípulo a quem Jesus amava. Como seriam idólatras os piedosos homens de Deus se a visão trinitária fosse verdadeira? Mas, e Jesus por que não teria rejeitado essas supostas “adorações”? Simplesmente porque não eram adorações! Jesus se declarou Mestre e Senhor (Jo. 13.13), Cristo (Mt. 23.10) e Rei (Jo. 18.36). Por todas e por cada uma dessas posições ele é digino de reverência e portanto “proskynô” pode e deve, de forma natural, ser aplicada a ele sem a requerida conotação trinitária de adoração cultual.

As bíblias que tiveram o mínimo de preocupação com o contexto judaico em que foi escrito o Novo Testamento não se precipitaram em traduzir o termo “proskynô” por “adorar” em todas as ocorrências, para não ir além do que, de fato, está escrito, embora que ainda façam em algumas outras passagens bíblicas. Então, quando alguém lhe disser que Jesus é Deus porque recebeu adoração, lembre-se que a culpa por esse mal entendido não é de quem te disse isso, mas da opção do tradutor que em uma situação de descontextualização do restante das escrituras preferiu usar a palavra “adorar” sempre que “proskunô” se refere Jesus e como reverência para todos os outros.

A Bíblia nos dá uma exemplo claro que mesmo que tenhamos um versículo onde se mostra duas pessoas recebendo “adoração” devemos separar os sentidos da aplicação dessa palava para um e para outro, ou entender que o sentido é, para as partes citadas, de reverência, não de culto. Um homem e Deus são conjuntamente “adorados” (claro se a requisição trinitária fosse verdadeira) pelo mesmo povo hebreu em I Cr. 29.20, Davi e Yahweh, na Septuaginta lemos: “κάμψαντες τὰ γόνατα προσεκύνησαν τῷ κυρίῳ καὶ τῷ βασιλεῖ”. A Almeida Corrigida Fiel traduziu por “inclinaram-se, e prostraram-se perante o SENHOR e o rei”. Aqui relembre do caso de Cornélio e João. Davi poderia ter feito o que eles fizeram e dizer “adorem” a Deus, mas no contexto monárquico em que vivia tal “adoração” lhe era comum. Agora medite, se ao invés de Davi o verso fosse no Novo Testamente e estivesse falando de Jesus, então, qual seria a preferência dos tradutores trinitários? Certamente o verbo proskunô ali seria “e inclinaram-se e adoraram o SENHOR e Jesus”. Mas, como é Davi, será que os hebreus estavam cultuando esse homem de Deus?

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