Em defesa do eterno conceito de Deus como um e único

Mês: agosto 2013

Hb. 7.3 e a eternidade de Jesus (?)

Será que Hb. 7.3 está ensinado sobre a eternidade de Jesus?

Hb 7:3 “Sem pai, sem mãe, sem genealogia, não tendo princípio de dias nem fim de vida, mas sendo feito semelhante ao Filho de Deus, permanece sacerdote para sempre“.

Para responder a essa pergunta precisamos entender o que o contexto quer dizer.

A Bíblia está textualmente dizendo que Melquisedeque não tinha pai, mãe ou genealogia, sem início de dias ou fim de dias, sendo semelhante ao Filho de Deus.

Se querem ver eternidade plena de Jesus nessa passagem precisarão considerar PRIMEIRO que Melquisedeque seria eterno também, pois note que é dele (Melquisedeque) que se fala não ter pai, mãe ou genealogia, princípio ou fim de dias. Ali também se diz “permanece sacerdote para sempre”, mas não é de Jesus que se diz isso, é de Melquisedeque que se diz “permanece sacerdote para sempre”. Não poderão alegar que Melquisedeque é Jesus preexistente, porque dele se diz ser semelhante ao Filho de Deus, ou seja, são dois seres distintos postos em paralelo. Um para mostrar legítimo o sacerdócio do outro. Assim, algumas perguntas, de cara, fazem-se necessárias:

  1. Melquisedeque realmente não tinha pai, mãe ou genealogia?
  2. Ele não tinha início ou fim de dias?
  3. Ele permanece sacerdote para sempre?

Ao que parece, querendo afirmar que Jesus é eterno, usam a passagem referente a Melquisedeque, mas esquecem que o que foi dito, foi dito do próprio Melquisedeque e depois houve comparação de ou com Jesus.

Então, em que Jesus é semelhante a Melquisedeque? Será na eternidade de Melquisedeque?

A explicação começa a ser delineada na sequência do texto bíblico.

Hb 7:4 “Considerai, pois, quão grande era este, a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos”. Se falou de Melquisedeque nesses termos para mostrar que apesar de desconhecido, ele era, pelo ato de Abraão, evidentemente, grande em dignidade.

Em seguida lemos Hb 7:6 “Mas aquele, cuja genealogia não é contada entre eles, tomou dízimos de Abraão, e abençoou o que tinha as promessas. ” Aqui temos uma informação importantíssima: Melquisedeque é aquele cuja “GENEALOGIA NÃO É CONTADA ENTRE ELES”. Ou seja, o que se quis dizer antes foi que Melquisedeque não tinha genealogia entre os Levitas e não que ele fosse eterno. O destaque é que não existe o registro de seu nascimento e de sua morte: “sem início ou fim de dias”. O que se quer dizer é que nada se sabe sobre ele que o tornasse merecedor do sacerdócio. Ou seja, é alguém que apesar de não ser contado entre os levitas (não existia registro algum de sua vida) era tão importante que recebeu dízimo dos levitas que estavam, em semente, nos lombos de Abraão que efetivou a dádiva. É esse sacerdócio não preso às amarras da lei (a lei determinava uma outra base para o sacerdócio), que faz de Melquisedeque, por direito, sacerdote para sempre, o que não quer dizer que o próprio Melquisedeque tenha vivido pela eternidade. O que em está causa é o mérito.

A semelhança falada ali não é com a suposta ETERNIDADE de Melquisedeque, mas com o fato de ele não ser contado entre os que cabiam o sacerdócio e mesmo assim ser legitimamente sacerdote.

O foco de todo o contexto é a legitimidade e superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio levítico a partir da comparação do sacerdócio de Melquisedeque que não era descente da tribo de Levi.

No contexto não se trata da eternidade; nem a de Melquisedeque, nem a de Jesus. E nem a eternidade de Jesus é ventilada, mesmo que indiretamente, pois se o fosse, então, estaria estabelecida também a eternidade de Melquisedeque.

É um verso que é fácil de descontextualizar quando se tem o propósito de por Jesus como ente eterno. Mas se esquecem que ali se se falasse de eternidade, o que não é o caso, estaria se falando primeiramente da eternidade de Melquisedeque, como reiteradas vezes falei. Mas, como vimos o objetivo foi falar da ausência genealógica ou registro de nascimento e morte daquele sacerdote, o que o tornaria um estranho e indigno da função aos olhos dos judeus, que só surgiriam posteriormente. Mas quando Abraão, o maior dos patriarcas, dá o dízimo a ele, revela e legitima sua grandeza e dignidade. É nesse comparativo de grandeza e dignidade, sem estar no rol dos levitas, que ele é posto em paralelo ao Filho de Deus.

Ver ali um ensino sobre a eternidade de Jesus decorre de uma leitura apressada do verso bíblico.

At. 20.28

A redação de At. 20.28 diz: “Olhai, pois, por vós, e por todo o rebanho sobre que o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele resgatou com seu próprio sangue.”(ACF)

O que está em causa aqui é o final do verso, cuja leitura dá a entender que Deus tem (ou teve) sangue , e isso só poderia ser cogitado, se aplicado a Cristo, dizendo que a humanidade de Jesus é a própria Deidade.

Assim, aqui existem, pelo menos, duas questões:

1) A humanidade de Jesus é também deidade? Ou seja, Jesus é de única natureza, de tal modo que o sangue não é do homem Jesus, mas de Deus? Será que a deidade se transformou em carne também e vice-versa?

2) A expressão “seu próprio sangue” pode significar outra coisa que não uma relação de identidade direta?

A primeira é menos provável se tomarmos a Bíblia em seu sentido amplo, pois além de descaracterizar quem é Deus, anularia o sacrifício de Cristo: um humano resgatando a humanidade (o segundo Adão), assim como um humano fez cair a humanidade (o primeiro Adão). Rm. 5.14 mostra que foi o homem Jesus, enviado pela graça de Deus que verteu o seu sangue.

Em favor da segunda opção temos o resto da Bíblia, que nos informa que Deus é Espírito (Jo. 4.24) e que um espírito não tem carne e ossos, consequentemente não tem sangue (Lc. 24.39)
Assim, sangue é algo físico, inerente à matéria. Nesse sentido, o sangue de Deus, não pode significar que Deus tem sangue, mas que o sangue pertence a ele.

Além do mais, se o sangue em At. 20.28 é o sangue das “veias” de Deus, isto significaria inapelavelmente que Deus morreu, já que foi esse sangue que teria sido vertido na cruz, mas as Escrituras dizem: I Tm. 1.17 “Ora, ao Rei dos séculos, imortal, invisível, ao único Deus, seja honra e glória para todo o sempre. Amém.” O IMORTAL não morre. Se um dia o IMORTAL morreu não era, então, de fato, IMORTAL, pois pôde morrer, provando sua mortalidade. Deus não poderia ter dado “seu próprio sangue” e não ter sido considerado MORTO. Mas, isso tornaria falso I Tm. 1.17.

Mas, será que existe apoio linguístico para a acepção de que o sangue pertence a Deus, sem ser o sangue do próprio Deus em si? Sim, existe! A expressão “διὰ τοῦ ἰδίου αἵματος” pode ser entendida de duas formas: a)atributivamente, que é como a maioria dos trinitários entendem; ou b) possessivamente, significando que o sangue é de alguém que pertence a Deus. Isso tem apoio do resto da Bíblia que apresenta Deus e Jesus como seres distintos, não apenas pessoas distintas!

As escrituras dizem: “Corpo me preparas-te” (Hb. 10.5). A epístola aos hebreus deixa claro que Deus preparou um corpo não para si próprio, mas para outro. O verso 7 dessa mesma epístola mostra, mais uma vez de forma clara, que quem adquiriu o corpo não foi Deus, mas alguém disposto a fazer a vontade de Deus.

O contexto onde esse verso de Atos está inserido fala, no mesmo capítulo, de Deus e de Jesus em distinção várias vezes: At. 20.21,24,27. O fluxo do texto não leva os leitores a acreditarem que Jesus é o mesmo Deus de quem aparece em distinção recorrentemente.

Apoio de trinitaristas! O entendimento de não tratar-se do “sangue de Deus” não é exclusividade dos unitarianos. É uma constatação lógica do texto bíblico. Basta lembrarmos que a palavra “Deus” ocorre certa de 1.340 vezes. Note 1.340 vezes. Desta milhar e algumas centenas apenas raras, realmente raras vezes o termo é aplicado, em teoria, a Jesus (talvez umas 6). E todas essas escassas vezes o texto não está livre de apuração. E At. 20.28 é um caso típico!

O PhD Dr. Murray J. Harris que é professor emérito de exegese do Novo Testamento e teologia na Trinity Evangelical Divinity School, em Deerfield, Illinois, diz em seu livro  “Jesus como Deus – O uso Theos no Novo Testamento, em referência a Jesus”  (Grand Rapids: Baker Book House, 1992), 141: “nesta construção de ίδιος é mais provável que θεός é Deus, o Pai e o objeto não expresso de περιεποιήσατο é Jesus”. Ou seja, mesmo os que defendem Jesus como Deus reconhecem que o texto não pode se referir ao sangue do Deus que é Espírito, mas pertencer a ele, através do Filho que é dEle.

Há uma variante grega, usada na USB, que traz a parte final do verso assim: “διὰ τοῦ αἵματος τοῦ ἰδίου”. Literalmente se traduz: “com o sangue de seu próprio”. Há uma expressão similar em Rm. 8.32 onde encontramos “τοῦ ἰδίου υἱοῦ” (seu próprio Filho). Já vimos que a outra variante pode ser usada tanto atributivamente como possessivamente. Então se houvesse apenas ela a possessividade já era constatável. Mas, esta mostra diretamente a possessividade, o que permite concluir que o texto fala do sangue do Filho. Esse uso não é estranho. Matzger em “Um Comentário Textual em grego do Novo Testamento”, 2 ª ed. (Stuttgart: Sociedades Bíblicas Unidas, 1971.), 426,  diz: “Este uso absoluto de ‘idios’ é encontrada em papiros gregos como um termo carinhoso referindo-se a parentes próximos”.

A Bíblia de Jerusalém, que é uma bíblia produzida por católicos e protestantes, assim verteu o verso: “nele o Espírito Santo vos constituiu guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus, que ele adquiriu para sipelo sangue do seu próprio Filho. Assim também entenderam os tradutores católicos e trinitários da versão da CNBB: “o Espírito Santo os constituiu como guardiães, para apascentarem a Igreja de Deus, que ele adquiriu para si com o sangue do seu próprio Filho. Outra versão protestante, logo, feita por trinitarianos, NTLH apresenta o verbo com a redação: “o Espírito Santo entregou aos seus cuidados, como pastores da Igreja de Deus, que ele comprou por meio do sangue do seu próprio Filho.”.

Nota-se com isso que, seja católico, seja protestante ou, ainda, os dois juntos, os tradutores não tem dificuldades em perceber que ali não se trata do sangue de Deus em si.

Logo,  o entendimento unitariano que vê em At. 20.28 a Bíblia falar do sangue que pertence a Deus porque o Filho pertence a ele, tem apoio não somente do ponto de vista bíblico (Rm 8:32 “Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas?“), mas linguístico e exegético, refletido em reconhecidas traduções bíblicas e renomados exegetas trinitários. Claro, só a Bíblia já bastaria, mas essas informações extras são só para mostrar que esse entendimento não é exclusivdo do unitarianismo.

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