Em defesa do eterno conceito de Deus como um e único

Mês: março 2022

Não há oração expressa a Jesus no NT

NÃO HÁ ORAÇÃO EXPRESSA A JESUS NO NT.

Apesar de não haver nenhum problema que alguém se dirija a Cristo, considerando que ele está vivo, presente entre os seus, e é mediador entre Deus e os homens; foi o próprio Senhor Jesus que nos ensinou como devemos orar. E seu ensino quando a isso é que nossos rogos em oração sejam dirigidos ao Pai.

Quando falamos de oração, reconhecida como tal, em todas as ocorrências a palavra usada para “orar” é προσευχομαι (proseuchomai) ou uma de suas derivadas. Essa palavra nunca é aplicada pelos discípulos a Jesus, nem em vida, nem após sua ressurreição. É sempre aplicada no relacionamento dos discípulos e apóstolos para com Deus, e, também, de Jesus para com Deus.

Para defender a deidade de Jesus alguns dirão que orações também eram direcionadas a Jesus e pensarão em Jo. 14.14 onde na ARA reza: “Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” (destaquei), onde o “ME” parece sugerir que Jesus nos ensina orar a ele em seu próprio nome para obtenção das coisas, contrastando com Jo. 16.23 ou Mt. 6.9 onde ele nos ensina orar ao Pai. De fato, com a redação proposta pela ARA a conclusão de um ensino de que devemos orar a Jesus parece ser possível. Mas, leitores de outras versões da Bíblia teriam um entendimento diferente. A ACF, por exemplo, reza: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.A famosa KJV (King James Version) traduz: “If ye shall ask any thing in my name, I will do it”. Em ambas está ausente o “me”, e com essa ausência a sugestão de que deveríamos orar a Jesus desaparece e indica que Jesus seria aquele que executaria para nós aquilo que foi pedido ao Pai. A NIV traduziu “O que vocês pedirem em meu nome, eu farei”, sem o “me”. Também, a Bíblia Viva traz: “Sim, peçam qualquer coisa, em Meu nome, e Eu o farei!”. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também traduz o verso sem esse pronome: “Se pedirdes algo em meu nome, eu o farei”. Jesus, nesses textos, é o instrumento para atendimento das orações dirigidas ao Pai.

Essas diferentes traduções impõem questionamentos do porquê da existência delas. Essas diferenças têm a ver com os manuscritos adotados. A ARA usa o TC e a ACF usa o TR. A Bíblia publicada pela CNBB, edição católica, a NVI e a Bíblia Viva, edições protestantes, apesar de usarem o TC como base, seguiu nesse verso o TR. Por que será?

Textos gregos antigos como o P66, que apresenta o “me”, datado do segundo século, pode ser requerido como uma forte testemunha da legitimidade da leitura com o “me”. No entanto, o papiro P66 não é o melhor representante de uma boa cópia. O Dr. Norman Wilbur Pickering1, citando Colwell, informa que Ele localizou e revelou que P66 tem 400 itacismos2 mais 482 leituras singulares3 outras, 40 por cento das quais são sem sentido. P66 edita [i.e, introduz as opiniões do copista], como faz com todo o mais – de forma desleixada’. Em suma, P66 é uma cópia extremamente ruim.(fiz os destaques). Existem outros textos posteriores a P66 que também apresentam o “me”: א, B,W, Δ, Θ, f e etc. Isso, somando ao fato de que os críticos textuais postulam que a leitura mais difícil deve ser a preferida, ou seja, consideram que por ser a menos provável, ou a mais incomum, deve ser a escolhida como verdadeira, mas, por conta da dificuldade da existência de uma leitura como essa, tem feito com que o grau de certeza para o “me” seja classificado como “B”, onde “A” seria de aceitação pacífica. Mas, esse é um detalhe importante, se “A” é verdadeiramente a certeza, “B” não pode ser tomado como certo.

Sem dúvidas cópias que tenham seguido P66 podem ter reproduzido seus erros, inclusive nessa leitura singular onde se teria:Se me pedirdes … em meu nome. Alguém ensinar que devemos pedir a ele, no nome dele mesmo é, de fato, uma sugestão incomum e absolutamente desnecessária; principalmente quando o mesmo nos ensina a orar a seu Pai, em nome dele, em muitas outras ocorrências. Sermos ensinados pelo Filho a orar a Deus em nome de seu Filho, faz sentido, mas ensinados pelo Filho a pedirmos ao Filho em nome do próprio Filho é descabido ao extremo e não usual.

Deve-se destacar, também, que outras cópias gregas igualmente antigas não apresentam o “me”: A, D, K, L, Π, Ψ , Byz, dentre outros. Antigos pensadores cristãos como Cirilo, Vitorino-Romano e Agostinho citaram o texto sem o “me”. A versão copta Sahidic ЄΤЄΤΝϢΑΝΑΙΤЄΙ ΝΟΥϨШΒ ϨΜ ΠΑΡΑΝ ΠΑΙ ϯΝΑΑΑϤ, que data entre o II e III século diz: “Se deve pedir qualquer coisa [peça] em meu nome e eu o farei.”

O famoso gramático de grego F. F. Bruce considera que “No versículo 14 a evidência textual é equilibrada entre manter ou omitir me; mas a lógica e o pensamento aqui favorecem sua omissão, que realmente parece ser exigida pelo sentido claro de 16.23a”.4

Assim, temos textos antigos que atestam as duas variantes, mas somente uma é plenamente contextual com os ensinos de Jesus que nos disse a quem devemos orar, o Pai.

É precário, realmente, sugerirmos que deva ser adotada uma variante, e, cuja aceitação não é unânime, como via apropriada para acreditarmos que Jesus nos ensinou orar a ele em seu próprio nome. Isso não aconteceu.


1 Em Qual o Texto Original do Novo Testamento.

2Itacismo ocorre quando há a substituição de uma vogal ou um ditongo por outro que se pronuncia de forma igual ou muito parecida.

3 Ou seja, encontrada apenas nele.

4 F. F. Bruce em João: Introdução e Comentário, Editora Mundo Cristão, 1ª Edição, 1987, reimpressão de 2014, pág. 258

Jesus ser invocado faz dele Deus?

JESUS SER INVOCADO FAZ DELE DEUS?

A palavra “invocar” tem sido tomada como um termo técnico aplicável apenas à Deidade e, por isso, alguns sugerem que pelo fato de haver uns poucos versos onde a palavra está relacionada com Jesus que ele, necessariamente, seria Deus. Mas, os exemplos do NT não sugerem que Jesus só foi invocado porque seria, ele mesmo, o próprio Altíssimo Deus.

Os que usam essa ideia partem de uma premissa equivocada e erram a conclusão por isso. O próprio texto sugerido de 1 Co. 1.2 tem, para o fim cristoteísta, a palavra “invocar” isolada totalmente do seu contexto, a partir de onde se faz uma sugestão de uma ideia que não está lá. Na verdade, esse mesmo verso, se lido com todas as palavras do texto, nega essa pretensão.

No verso 1 do cap.1, ler-se que Paulo é “apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus”. O verso 2, inicia “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus”. É muitíssimo evidente que, de forma cristalina, o escritor da epístola distingue ambos, e os distingue não na relação de filiação (como talvez poderia requerer algum trinitário: Pai e Filho), mas na relação de identidades; um é Deus e outro é o ungido Jesus. Assim, parece muito forçado sugerir que a realidade expressa da distinção de naturezas, já que somente um é identificado como sendo Deus, possa ser sobreposta por causa do uso da palavra “invocar”. Seria negar o que está dito claramente por uma imposição da vontade trinitária.

Outro exemplo pode ser observado em At. 7.59 onde Estêvão invoca Jesus. Será que isso indica que o Escritor Sagrado entendeu Jesus como Deus por causa dessa “invocação”? Não. Não entendeu. Mais uma vez o contexto desmente a proposta de estabelecer uma identidade de Jesus como sendo o próprio Deus. O verso 55 diz que Estevão viu a Jesus à direita de Deus, portanto, novamente, o próprio relato bíblico não confirma a Jesus como Deus, pelo contrário, faz notável distinção. Lembrando que ali não diz “à direita do Pai” (como se estivesse falando de uma suposta distinção hipostática), mas à direita de Deus (o ser de Deus). Não parece ser de bom alvitre intercambiar ou substituir subconscientemente, ou conscientemente, de forma bem “conveniente”, os vocábulos “Deus” por “Pai” para diminuir o contraste do que está dito. Ali há nítida distinção onde Deus é um e Jesus é outro. É de tal forma que Estevão reconheceu a Jesus no verso 55 como o “Filho do Homem”, logo sem qualquer insinuação de que ele o estivesse reconhecendo textualmente como Deus. Vale insistir, e chamar a atenção, que essas são afirmações que não nos permitem concluir que Jesus foi reconhecido como sendo Deus pelo mártir Estevão. Sugerir que a palavra “invocar” muda isso seria negar o que está afirmado, em termos de identificação distintiva entre Deus e Jesus, para fazer uso de uma ideia subjetiva que não está no texto.

O que percebemos com isso? Percebemos que o trinitarismo (também o unicismo) desprezou a própria lógica e a espiritualidade dos relatos para adotar uma interpretação do que significa “invocar”, que não é confirmada no contexto.

Ora, não há problema algum que Estêvão peça a Jesus, em invocação, que receba seu espírito, considerando que está escrito que Deus subordinou todas as coisas ao Filho (I Co. 15.25-27) e lhe deu todas as coisas (Jo. 13.13). Será que a vida de Estêvão, diante dessas afirmações, não estava sob a regência de Cristo? Será que Jesus precisava forçosamente ser Deus ou, simplesmente, lhe bastava ser o homem designado por Deus ? (At 17:31 “Porquanto tem determinado um dia em que com justiça há de julgar o mundo, por meio do homem que destinou; e disso deu certeza a todos, ressuscitando-o dentre os mortos.”). Em vez de reconhecer o fato de que receber invocação é uma prerrogativa dada a Cristo por Deus, estão querendo fazer de Jesus o próprio Deus, algo que não é nem confirmado, nem afirmado no texto.

Não se faz necessário para o entendimento bíblico criar uma dificuldade e depois artificializar uma solução trinitária. O termo “invocar” não estabelece identidade de ninguém.

Por que o requerimento do termo “invocar”, como um termo técnico para impor deidade a Jesus, põe o trinitarismo fora da realidade bíblica e fora da natureza histórica da Bíblia? Ora, além do fato objetivo da própria distinção que as Escrituras fazem entre Deus e Jesus, como o próprio Estêvão fez antes de entregar o seu espírito a Cristo, bem como Paulo distinguiu Deus e Jesus, no contexto do requerido verso 2 da primeira carta aos Coríntios, há o inapelável fato de que o termo “invocar” aplicado a Jesus em alguns versículos, até mesmo de forma pública (como está escrito “em todo o lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo”), não foi motivo de um único judeu sequer, e dentre eles os fariseus (do grupo capaz de olhar as mãos sujas dos discípulos às refeições, Mc. 7.2), das diversas regiões onde eventualmente tenha ocorrido uma invocação a Cristo, apresentar uma óbvia acusação de idolatria. Os discípulos seriam os idólatras e Jesus o objeto de culto. Novamente, nenhuma acusação foi feita aos apóstolos ou aos discípulos nem a igreja de idolatria. E foi de tal forma que a ausência da ideia de uma acusação tão elementar que seria, considerando o suposto reconhecimento público de deidade a Jesus, por causa das invocações, levaram os judeus a pagar pessoas para acusar os discípulos de alguma transgressão: “Então subornaram uns homens, para que dissessem: Ouvimos-lhe proferir palavras blasfemas contra Moisés e contra Deus” (At. 6.11). Ora, se “invocar” é reconhecer Jesus como Deus, então, por que precisaram pagar a alguém para levantar falso testemunho de transgressão contra os discípulos?

O verbo ἐπικαλέω não é um verbo determinador de “divindades” como quer que acreditemos a linha trinitária.

Ao invocar a César em At. 25.11, certamente Paulo não usou o verbo epikalô abonando ou achando que César fosse “Deus” ou o reconhecendo como alguma “divindade” (Paulo não era idólatra), apenas desejou ser julgado por César em sua presença. Como a Bíblia ou o Novo Testamento não é um livro de invocações a César, mas a Deus e a Cristo, daí decorre que não é de se esperar a mesma quantidade de ocorrências, ainda que existam, aplicadas a César ou a quaisquer outros.

O meio de identificação dos envolvidos não está na aplicação do epikalô (invocar), mas nos próprios indivíduos.

Em Is. 55.5, o mesmo verbo que está sendo requerido é usado, no hebraico do Antigo Testamento, “תִּקְרָ֔א” [tiq-rā,] (composição do verbo קָרָא [kaw-raw’]) ou no grego koiné (LXX e NT) o “ἐπικαλέσονταί” [epikalésontai] (composição do verbo ἐπικαλέω [epikaléô], com uma conjugação, inclusive, que é encontrada também em Rm. 10.14, TR), quando diz que o povo de Israel invocaria/clamaria a uma nação que não os conhecia, mas que por benevolência de Deus, seriam atendidos. Ou seja, se invocaria/clamaria a um intermediário (uma nação) da benção de Deus. Isso não transformou aquela nação no próprio Deus por ser invocada. No Antigo Testamento, por exemplo, tem-se “invocação” a Ló em Gn. 19.5 “וַיִּקְרְאוּ אֶל־לֹוט”, “invocação” de bimeleque a Abraão “וַיִּקְרָא אֲבִימֶלֶךְ לְאַבְרָהָם” e etc. Assim, como já mostramos, “invocar” não é um termo técnico ou exclusivo da Deidade.

Com relação a Jesus e o momento da invocação, ou seja, se ele estava em carne ou em espírito, como atualmente está, isso não é obstáculo a nada, porque é segundo a vontade de Deus que ele subjuga todas as coisas. Quem vê problema aí é o trinitarismo para criar uma dificuldade que as Escrituras não apresentam. E a solução da dificuldade, por eles mesmos criada, é transformar Jesus no próprio Deus.

Diante do exposto não há razão para considerar a Jesus como Deus porque ele, ou seu nome, pode ser invocado.

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