NÃO HÁ ORAÇÃO EXPRESSA A JESUS NO NT.
Apesar de não haver nenhum problema que alguém se dirija a Cristo, considerando que ele está vivo, presente entre os seus, e é mediador entre Deus e os homens; foi o próprio Senhor Jesus que nos ensinou como devemos orar. E seu ensino quando a isso é que nossos rogos em oração sejam dirigidos ao Pai.
Quando falamos de oração, reconhecida como tal, em todas as ocorrências a palavra usada para “orar” é προσευχομαι (proseuchomai) ou uma de suas derivadas. Essa palavra nunca é aplicada pelos discípulos a Jesus, nem em vida, nem após sua ressurreição. É sempre aplicada no relacionamento dos discípulos e apóstolos para com Deus, e, também, de Jesus para com Deus.
Para defender a deidade de Jesus alguns dirão que orações também eram direcionadas a Jesus e pensarão em Jo. 14.14 onde na ARA reza: “Se me pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” (destaquei), onde o “ME” parece sugerir que Jesus nos ensina orar a ele em seu próprio nome para obtenção das coisas, contrastando com Jo. 16.23 ou Mt. 6.9 onde ele nos ensina orar ao Pai. De fato, com a redação proposta pela ARA a conclusão de um ensino de que devemos orar a Jesus parece ser possível. Mas, leitores de outras versões da Bíblia teriam um entendimento diferente. A ACF, por exemplo, reza: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu o farei.” A famosa KJV (King James Version) traduz: “If ye shall ask any thing in my name, I will do it”. Em ambas está ausente o “me”, e com essa ausência a sugestão de que deveríamos orar a Jesus desaparece e indica que Jesus seria aquele que executaria para nós aquilo que foi pedido ao Pai. A NIV traduziu “O que vocês pedirem em meu nome, eu farei”, sem o “me”. Também, a Bíblia Viva traz: “Sim, peçam qualquer coisa, em Meu nome, e Eu o farei!”. A Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) também traduz o verso sem esse pronome: “Se pedirdes algo em meu nome, eu o farei”. Jesus, nesses textos, é o instrumento para atendimento das orações dirigidas ao Pai.
Essas diferentes traduções impõem questionamentos do porquê da existência delas. Essas diferenças têm a ver com os manuscritos adotados. A ARA usa o TC e a ACF usa o TR. A Bíblia publicada pela CNBB, edição católica, a NVI e a Bíblia Viva, edições protestantes, apesar de usarem o TC como base, seguiu nesse verso o TR. Por que será?
Textos gregos antigos como o P66, que apresenta o “me”, datado do segundo século, pode ser requerido como uma forte testemunha da legitimidade da leitura com o “me”. No entanto, o papiro P66 não é o melhor representante de uma boa cópia. O Dr. Norman Wilbur Pickering1, citando Colwell, informa que “Ele localizou e revelou que P66 tem 400 itacismos2 mais 482 leituras singulares3 outras, 40 por cento das quais são sem sentido. ‘P66 edita [i.e, introduz as opiniões do copista], como faz com todo o mais – de forma desleixada’. Em suma, P66 é uma cópia extremamente ruim.” (fiz os destaques). Existem outros textos posteriores a P66 que também apresentam o “me”: א, B,W, Δ, Θ, f e etc. Isso, somando ao fato de que os críticos textuais postulam que a leitura mais difícil deve ser a preferida, ou seja, consideram que por ser a menos provável, ou a mais incomum, deve ser a escolhida como verdadeira, mas, por conta da dificuldade da existência de uma leitura como essa, tem feito com que o grau de certeza para o “me” seja classificado como “B”, onde “A” seria de aceitação pacífica. Mas, esse é um detalhe importante, se “A” é verdadeiramente a certeza, “B” não pode ser tomado como certo.
Sem dúvidas cópias que tenham seguido P66 podem ter reproduzido seus erros, inclusive nessa leitura singular onde se teria: “Se me pedirdes … em meu nome.” Alguém ensinar que devemos pedir a ele, no nome dele mesmo é, de fato, uma sugestão incomum e absolutamente desnecessária; principalmente quando o mesmo nos ensina a orar a seu Pai, em nome dele, em muitas outras ocorrências. Sermos ensinados pelo Filho a orar a Deus em nome de seu Filho, faz sentido, mas ensinados pelo Filho a pedirmos ao Filho em nome do próprio Filho é descabido ao extremo e não usual.
Deve-se destacar, também, que outras cópias gregas igualmente antigas não apresentam o “me”: A, D, K, L, Π, Ψ , Byz, dentre outros. Antigos pensadores cristãos como Cirilo, Vitorino-Romano e Agostinho citaram o texto sem o “me”. A versão copta Sahidic ЄΤЄΤΝϢΑΝΑΙΤЄΙ ΝΟΥϨШΒ ϨΜ ΠΑΡΑΝ ΠΑΙ ϯΝΑΑΑϤ, que data entre o II e III século diz: “Se deve pedir qualquer coisa [peça] em meu nome e eu o farei.”
O famoso gramático de grego F. F. Bruce considera que “No versículo 14 a evidência textual é equilibrada entre manter ou omitir me; mas a lógica e o pensamento aqui favorecem sua omissão, que realmente parece ser exigida pelo sentido claro de 16.23a”.4
Assim, temos textos antigos que atestam as duas variantes, mas somente uma é plenamente contextual com os ensinos de Jesus que nos disse a quem devemos orar, o Pai.
É precário, realmente, sugerirmos que deva ser adotada uma variante, e, cuja aceitação não é unânime, como via apropriada para acreditarmos que Jesus nos ensinou orar a ele em seu próprio nome. Isso não aconteceu.
1 Em Qual o Texto Original do Novo Testamento.
2Itacismo ocorre quando há a substituição de uma vogal ou um ditongo por outro que se pronuncia de forma igual ou muito parecida.
3 Ou seja, encontrada apenas nele.
4 F. F. Bruce em João: Introdução e Comentário, Editora Mundo Cristão, 1ª Edição, 1987, reimpressão de 2014, pág. 258